Historiadores do futuro divergirão sobre a hora em que tudo começou a dar errado aqui. Haverá quem culpe o golpeachment de 2016. Outros citarão o fatídico 7 a 1 na Copa de 2014. Arqueólogos atribuirão às manifestações de 2013 o papel de invasões bárbaras —a culpa, dirão, é do gigante que acordou, quebrou tudo e voltou a dormir.
Tenho uma hipótese que gostaria que paleontólogos do futuro aventassem ao se depararem com nossos fósseis. Nossa ruína começou antes, mais precisamente em 2009, quando aprovaram o novo acordo ortográfico —que, além de não ser novo, não gerou nenhum acordo.
Nesse mesmo ano Portugal entrou numa crise da qual nunca se recuperou. No Brasil, a crise chegou com alguns anos de atraso, como de hábito.
Não se derrubam tantos acentos numa língua sem que se derrubem algumas instituições junto. O falante do português ficou na sua própria língua como num ônibus lotado: sem assento. Nem hífen, o cinto de segurança da língua.
A palavra “co-comandante” passou a ser grafada “cocomandante”. Percebam os impactos subliminares de se falar uma língua na qual o cocô é o mandante. Apenas isso explica o fato de termos elegido um tolete de bosta pra pilotar o país.
O Brasil nunca soube pra onde ir, mas ficou ainda mais confuso a partir do momento em que a gente não sabia nem se era “pra” ou “para” onde ir.
A reforma ortográfica derrubou o acento de pára, no sentido de parar, e agora no português “para” significa duas coisas opostas: para onde se vai, e o ato de deixar de ir. O lema “progresso para sempre” diz o contrário do que ele quer dizer.
Dito isso, chego ao real motivo dessa crônica: precisamos parar de escrever “para” com o sentido de “pra”. Com a queda do acento no verbo parar, o acordo nos obriga a escrever “pra” quando usamos a preposição, pra diferenciá-la do verbo. A vogal da primeira sílaba da preposição não deixará saudades.
Ninguém a pronunciava, em nenhuma variante do português — não conheço ninguém que peça: “vamos pAra casa!”, a não ser numa dublagem da sessão da tarde.
Eu me lembro do amigo cronista Fabrício Corsaletti, ao fim de uma noitada sem fim, pedindo aos amigos: “se eu morrer, é pra! É pra!”.
“É pra quê?”
“É pra! Não deixa nenhum editor trocar meus ‘pras’ por ‘paras’! Promete?”
Dito isso, peço encarecidamente aos revisores, e editores, e professores deste país: é pra! É pra! Deixem os “pras” em paz. O para precisa parar. Quem sabe assim o país volte a andar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.