Todo pai ganha, na maternidade, um título de doutor honoris causa. Infelizmente nosso saber não é remunerado —mas o saber do acadêmico brasileiro tampouco é remunerado, então estamos na mesma.
Talvez um pai professor, habituado a saber de coisas, não ache a mesma graça em chegar em casa e se deparar com alguém lhe fazendo perguntas o tempo todo. Agora um pai notoriamente néscio, como eu, fica eufórico quando, pela primeira vez na vida, está sendo depositário de alguma confiança.
Não vou dizer que a vida do acadêmico sem diploma é fácil. Também temos que defender nossas teses em frente a uma banca, e duvido que haja uma banca mais exigente, ou pelo menos mais insistente, do que a composta por uma criança de quatro anos.
Todo dia minha filha me faz acreditar que sei de tudo, pra logo em seguida me fazer perceber que não mereço o título que ela me outorga. E ainda assim insiste em continuar confiando na minha sabedoria, e aí reside toda a beleza do amor filial: ele resiste à realidade dos fatos. Não há pai, por mais burro que seja, que não passe por onisciente ao longo de, pelo menos, uma década. E daí a tragédia, imagino, do pai de adolescente: um belo dia seu filho descobre que você forjou o diploma.
Por aqui, permaneço o guardião da verdade. Ontem mesmo, minha filha me perguntou: "Pai, dragão existe?". Taí uma pergunta fácil, penso. Essa eu sei: "Não!", respondo, de bate pronto. Mas ela emenda com uma dúvida irrespondível: "Por quê?".
Se já seria difícil explicar por que é que algo existe, me vejo diante do impossível: explicar a razão pra inexistência de algo. "Algumas coisas existem, filha. E outras, não." Mas ela insiste: "Por quê?".
Nessas horas queria acreditar em Deus. Diria: "porque Deus quis". E mesmo que ela continuasse perguntando: "e por que ele quis?", eu poderia dizer: "pergunta pra Ele". E se ela dissesse: "Mas Ele não responde", eu retrucaria: "Mas aí já não é mais comigo". Aposto que Deus foi inventado por um pai querendo terceirizar o problema.
A pior pergunta de todas veio quando minha filha tinha só dois anos de idade. "Pai, existe alguém no mundo mais alto que você?". Não sabia o que dizer —não por que não soubesse a resposta, mas porque não queria que ela descobrisse. Tive que ser sincero. "Sim, filha, existem algumas pessoas que têm mais de 1,69. Infelizmente." Assisti a brotar no seu semblante a primeira pitada de adolescência.
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