Gregorio Duvivier

É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos.

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Gregorio Duvivier
Descrição de chapéu
maternidade

Todo pai ganha, na maternidade, um título de doutor honoris causa

Duvido que haja uma banca mais exigente e insistente do que a composta por uma criança de quatro anos

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Todo pai ganha, na maternidade, um título de doutor honoris causa. Infelizmente nosso saber não é remunerado —mas o saber do acadêmico brasileiro tampouco é remunerado, então estamos na mesma.

Talvez um pai professor, habituado a saber de coisas, não ache a mesma graça em chegar em casa e se deparar com alguém lhe fazendo perguntas o tempo todo. Agora um pai notoriamente néscio, como eu, fica eufórico quando, pela primeira vez na vida, está sendo depositário de alguma confiança.

Uma colagem em que um boneco grande, com pés vazados com traços laranja, segura um livro, e traz a cabeça do humorista Gregorio Duvivier. Ele fala com uma pequena criança de saia rosa, como se fosse um professor
Publicada nesta terça-feira, 2 de agosto de 2022 - Catarina Bessell

Não vou dizer que a vida do acadêmico sem diploma é fácil. Também temos que defender nossas teses em frente a uma banca, e duvido que haja uma banca mais exigente, ou pelo menos mais insistente, do que a composta por uma criança de quatro anos.

Todo dia minha filha me faz acreditar que sei de tudo, pra logo em seguida me fazer perceber que não mereço o título que ela me outorga. E ainda assim insiste em continuar confiando na minha sabedoria, e aí reside toda a beleza do amor filial: ele resiste à realidade dos fatos. Não há pai, por mais burro que seja, que não passe por onisciente ao longo de, pelo menos, uma década. E daí a tragédia, imagino, do pai de adolescente: um belo dia seu filho descobre que você forjou o diploma.

Por aqui, permaneço o guardião da verdade. Ontem mesmo, minha filha me perguntou: "Pai, dragão existe?". Taí uma pergunta fácil, penso. Essa eu sei: "Não!", respondo, de bate pronto. Mas ela emenda com uma dúvida irrespondível: "Por quê?".

Se já seria difícil explicar por que é que algo existe, me vejo diante do impossível: explicar a razão pra inexistência de algo. "Algumas coisas existem, filha. E outras, não." Mas ela insiste: "Por quê?".

Nessas horas queria acreditar em Deus. Diria: "porque Deus quis". E mesmo que ela continuasse perguntando: "e por que ele quis?", eu poderia dizer: "pergunta pra Ele". E se ela dissesse: "Mas Ele não responde", eu retrucaria: "Mas aí já não é mais comigo". Aposto que Deus foi inventado por um pai querendo terceirizar o problema.

A pior pergunta de todas veio quando minha filha tinha só dois anos de idade. "Pai, existe alguém no mundo mais alto que você?". Não sabia o que dizer —não por que não soubesse a resposta, mas porque não queria que ela descobrisse. Tive que ser sincero. "Sim, filha, existem algumas pessoas que têm mais de 1,69. Infelizmente." Assisti a brotar no seu semblante a primeira pitada de adolescência.

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