Guilherme Boulos

Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo.

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Descrição de chapéu América Latina Mercosul

Faz sol em Santiago

A ala progressista conquistou a maior parte das cadeiras e, pela 1ª vez, há maioria feminina no Chile, que elegerá novo presidente

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O Chile enfrenta neste mês uma das batalhas mais importantes de sua história. O segundo turno da eleição presidencial, no dia 19, opõe Gabriel Boric, representante da nova geração da esquerda, e Jose Antonio Kast, de extrema-direita, conhecido como o "Bolsonaro chileno". Diferente da batalha de 1973, quando Pinochet liderou o golpe militar contra Allende, há razões para esperança. Boric lidera as pesquisas até aqui.

De certa forma, o Chile poderá acertar contas com sua história. A ditadura de Pinochet —já defendida por Kast— foi a mais sanguinária da América Latina. O Estádio Nacional foi transformado em campo de concentração, onde opositores eram presos e torturados. Contabilizam-se mais de 3.200 mortos e de 40 mil torturados. O músico Victor Jara teve os dedos dilacerados, para "nunca mais poder tocar violão", antes de ser executado.

Gabriel Boric, canditato à Presidência do Chile, disursa em Antofagasta
Gabriel Boric, canditato à Presidência do Chile, disursa em Antofagasta - Guillermo Salgado/AFP

Além do autoritarismo cruel, Pinochet fez do Chile um grande laboratório do nascente neoliberalismo da Escola de Chicago. Eliminou direitos sociais e destruiu o sistema público de previdência, convertido à capitalização. Tornou-se comum ver idosos nos semáforos implorando por esmolas. A combinação do golpe militar com selvageria econômica levou a escritora Naomi Klein a definir o Chile como protótipo da chamada doutrina do choque. Paulo Guedes, não por acaso, fez estágio por lá nos anos 1980.

Demorou quatro décadas, mas a bomba-relógio chilena explodiu. Em outubro de 2019, deflagrou-se uma revolta popular no país contra a deterioração das condições de vida. A gota d’água foi o aumento das tarifas de transporte, mas a revolta refletiu contexto de elevação geral do custo de vida e empobrecimento da população chilena. Foram meses de grandes mobilizações que, apesar da repressão dura, conquistaram a convocação de uma Assembleia Constituinte.

O Chile, enfim, se livrará da Constituição de Pinochet. A ala progressista conquistou a maior parte das cadeiras e, pela primeira vez na história, há uma maioria feminina. Mesmo com os impasses que seguem, a tendência é sepultar o entulho autoritário e abrir novos caminhos para o país andino.

Gabriel Boric é fruto deste processo de mobilização e renovação política. Com 35 anos, representa uma geração que rechaça o pinochetismo e quer "reabrir as alamedas por onde passarão um povo livre", relembrando o histórico discurso de Allende. O Chile está diante desta encruzilhada: renovação política progressista ou retorno a seu passado mais tenebroso.

Que a tragédia do Brasil de Bolsonaro sirva como exemplo do que não deve ser feito. Em 11 de setembro de 73, militares chilenos usaram o código "chove sobre Santiago" —que deu nome a um célebre filme— para expressar a deflagração do golpe. No próximo dia 19, esperamos que raie o sol em Santiago. Adelante, Boric!

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