O Chile enfrenta neste mês uma das batalhas mais importantes de sua história. O segundo turno da eleição presidencial, no dia 19, opõe Gabriel Boric, representante da nova geração da esquerda, e Jose Antonio Kast, de extrema-direita, conhecido como o "Bolsonaro chileno". Diferente da batalha de 1973, quando Pinochet liderou o golpe militar contra Allende, há razões para esperança. Boric lidera as pesquisas até aqui.
De certa forma, o Chile poderá acertar contas com sua história. A ditadura de Pinochet —já defendida por Kast— foi a mais sanguinária da América Latina. O Estádio Nacional foi transformado em campo de concentração, onde opositores eram presos e torturados. Contabilizam-se mais de 3.200 mortos e de 40 mil torturados. O músico Victor Jara teve os dedos dilacerados, para "nunca mais poder tocar violão", antes de ser executado.
Além do autoritarismo cruel, Pinochet fez do Chile um grande laboratório do nascente neoliberalismo da Escola de Chicago. Eliminou direitos sociais e destruiu o sistema público de previdência, convertido à capitalização. Tornou-se comum ver idosos nos semáforos implorando por esmolas. A combinação do golpe militar com selvageria econômica levou a escritora Naomi Klein a definir o Chile como protótipo da chamada doutrina do choque. Paulo Guedes, não por acaso, fez estágio por lá nos anos 1980.
Demorou quatro décadas, mas a bomba-relógio chilena explodiu. Em outubro de 2019, deflagrou-se uma revolta popular no país contra a deterioração das condições de vida. A gota d’água foi o aumento das tarifas de transporte, mas a revolta refletiu contexto de elevação geral do custo de vida e empobrecimento da população chilena. Foram meses de grandes mobilizações que, apesar da repressão dura, conquistaram a convocação de uma Assembleia Constituinte.
O Chile, enfim, se livrará da Constituição de Pinochet. A ala progressista conquistou a maior parte das cadeiras e, pela primeira vez na história, há uma maioria feminina. Mesmo com os impasses que seguem, a tendência é sepultar o entulho autoritário e abrir novos caminhos para o país andino.
Gabriel Boric é fruto deste processo de mobilização e renovação política. Com 35 anos, representa uma geração que rechaça o pinochetismo e quer "reabrir as alamedas por onde passarão um povo livre", relembrando o histórico discurso de Allende. O Chile está diante desta encruzilhada: renovação política progressista ou retorno a seu passado mais tenebroso.
Que a tragédia do Brasil de Bolsonaro sirva como exemplo do que não deve ser feito. Em 11 de setembro de 73, militares chilenos usaram o código "chove sobre Santiago" —que deu nome a um célebre filme— para expressar a deflagração do golpe. No próximo dia 19, esperamos que raie o sol em Santiago. Adelante, Boric!
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