Um dos resultados mais interessantes de se escrever sobre música sertaneja na Folha é ler os comentários dos leitores deste jornal. É quando um público refinado, culto e interessado se mostra selvagem, agressivo e acusatório. Eis alguns comentários já postados nesta coluna.
"Esse tal Gustavo deve ser um candidato a cantor sertanejo que não emplacou nos botequins da vida e agora debulha seu ressentimento."
"Vc começa a errar quando chama a música MEDÍOCRE dessas duplas todas de música sertaneja. Eles fazem música brega e ruim com uma roupagem rural (sanfoninhas, chapéus de vaqueiro)."
"Precisamos de armas de cano duplo para se defender das duplas....kkkkk...neste caso específico Bolsonaro está certo."
"Articulista vai ganhar o Prêmio Nobel da missão impossível. Não há 10, um ou meio álbum de produção sertaneja [boa]. Única hipótese é a pessoa ter sido surda por 30 anos e não ter podido ouvir música que preste."
"A cloroquina não fez bem a este sertanejo."
"Esses artistas das ‘sofrências’ raramente dão as caras em minha região. Talvez seja um fator de proteção. Já sofremos muito com a malária e falta de saneamento básico."
"Sofrência é ouvir essas gralhas a gritar."
Os leitores da Folha não estão sozinhos na história da música brasileira. Todos os gêneros musicais tiveram seus detratores, e nunca um gênero conseguiu unanimidade completa. Mesmo estilos musicais hoje canonizados como o samba, a bossa nova, o tropicalismo, a MPB e o rock foram repudiados por parte considerável da sociedade. Não seria diferente com a música sertaneja.
O samba sofreu durante décadas com o repúdio estético das elites brasileiras. Este ranço foi ironizado na canção "Pra que Discutir com Madame", de 1945, de autoria de Janet de Almeida e Haroldo Barbosa: "Madame diz que o samba tem cachaça/ Mistura de raça, mistura de cor/ Madame diz que o samba democrata/ É música barata sem nenhum valor".
Quando o samba se tornou produto de exportação pela voz de Carmen Miranda, houve aqueles que criticaram a suposta "americanização" da artista, que respondeu em "Disseram que Eu Voltei Americanizada": "Mas pra cima de mim pra quê tanto veneno?/ E eu posso lá ficar americanizada?/ Eu que nasci com o samba e vivo no sereno/ Topando a noite inteira a velha batucada".
A bossa nova teve como um de seus grandes inimigos o pesquisador José Ramos Tinhorão. Para o crítico marxista, a bossa era expressão das classes médias alienadas, que aceitavam subjugar o samba à música imperialista americana ao absorver influências do jazz.
Em seu livro "Música Popular: Um Tema em Debate", de 1966, Tinhorão afirmava que Tom Jobim chegou à canção popular "pela frustração das ambições no campo da música erudita" e que ele era um compositor que "apropria-se de músicas norte-americanas" e "esconde o nome Antônio sob o apelido americanizado de Tom".
O rock da jovem guarda teve entre seus inimigos os artistas da MPB. A inimizade era tão grande que em 17 de julho de 1967 grandes nomes da MPB como Jair Rodrigues, Elis Regina, Juca Chaves, Geraldo Vandré e até um pré-tropicalista Gilberto Gil participaram de uma passeata contra a guitarra elétrica pelas ruas de São Paulo, na qual o instrumento era chamado de "alienígena" e "imperialista".
O tropicalismo também teve a sua parcela de inimigos. No auge, em 1968, Caetano e Gil conseguiram unir esquerdas folcloristas e direitas moralistas no repúdio ao movimento. Universitários de esquerda vaiaram a canção "Proibido Proibir", de Caetano Veloso no 3º Festival Internacional da Canção de 1968, o que fez o baiano reagir: "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos!".
Para a esquerda universitária, os tropicalistas eram adeptos do imperialismo e da cultura pop americanizada, um pecado inadmissível. Naquele mesmo ano, Caetano e Gil também foram atacados pela direita no poder, que os exilou. Mas se tivesse sido o outro lado a ganhar a Guerra Fria no Brasil, teriam os tropicalistas escapado do exílio? Provavelmente não.
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