Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gustavo Alonso

Chavões sobre a Copa para pagar de analista político numa mesa de bar

Bolsominions revoltados com o resultado das eleições clamam por boicote ao evento, hábito que era da esquerda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Copa começou com um fato inédito: bolsominions revoltados com o resultado das eleições clamaram nas redes sociais e nas ruas pelo boicote ao torneio. O curioso é que, até bem pouco tempo atrás, boicotes e críticas às Copas eram oriundas exclusivamente das esquerdas, nunca das direitas.

Sou do tempo em que ainda se ouvia que o futebol era "o ópio do povo", jargão marxista agora paradoxalmente reavivado na boca dos seguidores do presidente.

Torcedores recepcionam a seleção brasileira de futebol na chegada ao Westin Doha Hotel Spa, com bandeiras, gritos de guerra e instrumentos de bateria - Gabriela Biló/Folhapress

Já que boicotar o mundial é inviável, parecer "crítico" ao futebol pode render crédito na militância. Como os bolsominions chegam agora ao debate futebolístico, segue uma lista de chavões das esquerdas para serem imitados com algumas décadas de atraso.

Defender algumas das teses abaixo transformará um zé-ninguém em um analista "muito perspicaz" em qualquer roda de bar, seja à direita, ou à esquerda, segundo o gosto do freguês.

1) Confunda seleção brasileira com CBF e ataque ambas como se fossem a mesma coisa;

2) Prefira Garrincha, Cruyff, Beckenbauer ou Maradona a Pelé. Relativize o rei do futebol sem dó. Vale até dizer que Messi é o melhor de todos os tempos;

3) Louve a seleção derrotada de 1982 e diminua as de 1994 e 2002, ganhadoras;

4) Critique a Seleção mirando no governo. Qualquer governo, de direita ou esquerda;

5) Louve a democracia corinthiana;

6) Torça para a Argentina. Entre as classes médias de esquerda isso transforma você num "hermano";

7) Reclame da falta de apoio ao futebol feminino no Brasil;

8) Louve o futebol europeu, com saudades do colonialismo;

9) Enfatize que os jogadores brasileiros devem jogar fora do país para "evoluir";

10) Identifique-se com seleções que adoram perder Copa, tipo a Holanda;

11) Louve o futebol húngaro do torneio de 1954, também perdedor. Bolsominions se identificarão;

12) Reclame que os jogadores brasileiros não são politizados;

13) Proteste contra as farras e a música feita pelos jogadores brasileiros e cobre "seriedade";

14) Indigne-se com o fato de que o Brasil só incluiu negros em duas esferas da sociedade: a música e o futebol. Oras, mas por que isso acontece? Porque essas foram as duas únicas esferas onde o povo viu a meritocracia acontecer, por isso somos tão fanáticos por ambas. Mas você deve ignorar isso, o importante é falar mal dessa inclusão em troca de uma suposta realidade utópica em que você acredita;

15) Prefira Sócrates, derrotado de 1982, a Raí, campeão de 1994;

16) Reclame da intromissão da Globo nos horários dos jogos da seleção sem problematizar que o primeiro dono da TV Record, Paulo Machado de Carvalho, viajava junto com as delegações brasileiras nas Copas das décadas de 1950 e 1960;

17) Louve o técnico Telê Santana, um homem que teve duas oportunidades e não ganhou Copa;

18) Seja crítico da sociedade brasileira por querer sempre ser campeã e não aceitar o segundo lugar;

19) Louve o futebol italiano, como se isso existisse;

20) Enalteça os campeonatos espanhol, italiano, alemão e inglês. Finja que estes campeonatos não são torneios de cartas marcadas nos quais pouquíssimos times são de fato candidatos ao título;

21) Torça por qualquer time africano pois "seria justo" que um país desse continente fosse campeão. Importante: torça como se futebol tivesse a ver com justiça social e econômica;

22) Critique a marra de Neymar e elogie a malandragem de outrora, a de Leônidas da Silva, Gérson, Romário e Ronaldinho Gaúcho;

23) Se você for de esquerda, dissemine a fantasia nostálgica de que em 1970 os integrantes da luta armada teriam torcido pela seleção pois sabiam separar time e governo —não, não sabiam. Mas ignore isso;

24) Afirme enfaticamente que a Copa influencia os resultados eleitorais. Esse ponto ficou um pouco fora de moda nesta Copa, jogada depois das eleições, e não antes, como costumeiramente acontecia;

25) Demonstre certeza no veredicto de que sete a um "acabou" com o futebol brasileiro;

26) Conjecture que o povo não está mais tão ligado em futebol por causa "do governo" ou "dos cartolas";

27) Critique a performance "engraçadinha" dos repórteres esportivos;

28) Louve as "revoluções" do futebol holandês e espanhol;

29) Discorde da posição dominante que, apesar de tudo, o Brasil se mantém no mundo do futebol. Argumente que o esporte mudou e que o Brasil está perdendo o bonde da história;

30) Sempre que possível, torça contra o Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.