Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Descrição de chapéu Erasmo Carlos

Carlos Colla: um gigante da música romântica brasileira

Um pouco da alma romântica brasileira se foi com sua partida

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Na sexta passada, 13 de janeiro, morreu um dos grandes compositores da música romântica brasileira: Carlos Colla. Ele nasceu em 1944, em Niterói, mas se criou em Trajano de Moraes, interior do estado do Rio de Janeiro. Talvez por ter sido criado no interior, em meio à vida rural, Colla foi um dos principais compositores da música sertaneja em sua fase mais importante, quando esse gênero rompeu os grilhões que o prendiam ao regional, nacionalizando-se.

Carlos Colla é o compositor, com vários parceiros, de clássicos de Chitãozinho & Xororó, como "Meu disfarce", "Fogão de lenha" (ambas de 1987), "Tô deixando você" (1990) e "Pensando em minha amada" (1993); para Leandro e Leonardo ele compôs "Sonho por sonho" (1991); sucessos de Chrystian e Ralf, como "Bijuteria" (1991) e "Olhos de luar" (1992), são de sua lavra. Zezé Di Camargo e Luciano gravaram "Cara ou coroa" (1992) e "Você vai ver" (1994). Matogrosso e Mathias gravaram "Na hora do adeus" (1990) e João Paulo e Daniel, "Estou apaixonado" (1996). Para Gian e Giovani, Carlos Colla compôs "Viola caipira" (1995) e para Bruno e Marrone, "Vidro fumê" (2012).

O compositor 'Carlos Colla', autor de músicas como 'Falando Sério', de Roberto Carlos, e 'Sonho por Sonho', de Leandro e Leonardo
O compositor Carlos Colla, autor de músicas como 'Falando Sério', interpretada por Roberto Carlos, e 'Sonho por Sonho', sucesso com Leandro e Leonardo - Divulgação

Colla começou a compor aos 14 anos, mas, atendendo aos desejos da mãe de ter um filho doutor, foi estudar direito no Rio de Janeiro em 1969. Formou-se e trabalhou como advogado, tendo sido perseguido pela ditadura por defender presos e desaparecidos políticos.

Ele é o compositor mais gravado por Roberto Carlos além da dupla Roberto-Erasmo. De 1971 até 2006, o rei gravou 24 canções de Carlos Colla, a maioria delas em parceria com Maurício Duboc. O maior sucesso foi "Falando sério", de 1977. Colla era um compositor biográfico e contou ao historiador Paulo César de Araújo, autor do livro "Roberto Carlos em Detalhes", que compôs "Falando sério" quando percebeu que a mulher de um amigo começou a se insinuar demasiadamente para ele: "Eu me sentia numa situação horrível, porque não gosto de me envolver com namorada ou mulher casada com amigo".

Além de biográfico, Colla falava a língua romântica que o Brasil inteiro entende. Além do rei e dos sertanejos, muitos outros cantores e grupos populares gravaram canções suas —como Emílio Santiago, Angélica, Calcinha Preta, Agnaldo Timóteo, Maurício Mattar, Tim Maia, Alcione, Wando, Maria Bethânia, Roberta Miranda, Fafá de Belém, Joanna, Sidney Magal, Fábio Jr., Wanderley Cardoso, Elymar Santos, Karametade, Raça Negra, Só Pra Contrariar, Perla, Menudo, Reginaldo Rossi, Ricky Vallen, Xuxa, Sandra de Sá...

Colla foi importantíssimo para a música sertaneja, pois foi um dos principais nomes da geração de compositores urbanos da música romântica brasileira que fizeram elos com as duplas do gênero interiorano nos anos 1980, ampliando seu alcance.

Tudo começou em 1987, quando Colla pouco conhecia do mundo sertanejo: "Eu nunca fui a um rodeio", disse o compositor quando o entrevistei em sua casa em 2010. Muito à vontade, de sandálias e sem camisa, Colla falou sobre as cobranças que viveu no meio musical: "O Rio de Janeiro era preconceituoso contra os sertanejos. Até os compositores eram preconceituosos. Diziam que eu era ‘vendido’. Vendido por quê? Havia umas loucuras desse tipo... umas patrulhas ideológicas… Eu gosto de tudo e faço de tudo. Mas isso é um crime no nosso meio. Falam que eu não tenho estilo, não tenho personalidade... Não tenho mesmo não, graças a Deus! Sempre existiu a igrejinha do rock, do samba de raiz... E eles não se comunicavam um com o outro. Como eu nunca me considerei um profissional da música, eu nunca me ajustei aos ditames do grupo".

Perguntado sobre por que suas canções românticas faziam tanto sucesso nas vozes dos cantores mais distintos, Colla teorizou sobre a aceitação da linguagem romântica no Brasil, vendo-a como uma tradição na música popular brasileira: "Quando eu canto as músicas de corno, o pessoal ama. Porque ninguém é sofisticado na hora do amor. Se você namorar uma mulher sofisticada vai enjoar. Ela não é autêntica... A alta sociedade é sofrida e castrada porque convive entre si não por grandes amores, mas por grandes interesses. Essa polidez afasta as pessoas. Gente que pensa com a própria cabeça não é sofisticada, ela é autêntica e gosta de música mais autêntica. Atingir um coração sofisticado é impossível, pois o sofisticado só pensa nele mesmo e no medo que ele tem das pessoas".

Um pouco da alma romântica brasileira se foi com a partida de Carlos Colla.

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