E se você contasse sua história através das músicas que mais marcaram sua vida? Essa é a proposta do genial podcast "A Playlist da Minha Vida", produzido pela Mafuá, que pode ser escutado na plataforma Deezer.
O podcast é veiculado semanalmente, sempre às sextas. Até esta semana quatro convidados divagaram sobre as canções mais marcantes de suas vidas: Marcelo D2 (surpreendentemente revelador), Gregório Duvivier, Mart'́nália e Djamila Ribeiro. Ainda estão selecionados para essa primeira temporada Marisa Monte, Pabllo Vittar, Gilberto Gil, Sidarta Ribeiro, Nelson Motta, Fábio Porchat, Rita Von Hunty e Dráuzio Varella, entre outros.
Em cada episódio o convidado escolhe dez músicas que contam a sua vida e, ao final, diz qual música deveria tocar em seu velório. São músicas que remetem à infância, aos pais, a amigos, familiares, empregos, relações construídas e desfeitas. São, inexoravelmente, marcos de transformações pessoais.
Poder contar a história de vida através das lentes das canções é um ótimo caminho para não se perder nos desvãos da memória, como Gregório Duvivier resumiu: "Talvez eu não tivesse elaborado tudo isso sobre minha vida se a música não tivesse dado essa chave".
"A Playlist da Minha Vida" é apresentado pela atriz Fernanda Torres, que está muito bem como condutora do talk show digital. Engraçada e com comentários precisos, leves e ao mesmo tempo profundos, Torres estabelece uma relação com os entrevistados que é de confiança e interesse.
Com aqueles com os quais compartilha modos de vida semelhante, como Gregório Duvivier, Fernanda conseguiu cavucar dados biográficos (como a primeira vez que Gregório fumou maconha e como isso o marcou) que são reveladores não apenas da personalidade do entrevistado, mas dos dramas nacionais.
Com figuras mais dissonantes, como Marcelo D2, Fernanda soube se colocar entre fascinada por uma nova cultura e curiosa por entender (e nos fazer entender) outras searas, sempre permeadas pela individualidade intransferível do entrevistado.
"A Playlist da Minha Vida" é originalmente um podcast francês. A versão original possui quase cem entrevistados no site da Deezer, no qual músicos da cena musical francesa como Zaz, Garou, Carla Bruni, Etienne Daho, contam suas histórias através de canções marcantes.
Mas não apenas músicos participaram do projeto. Figuras improváveis, como François Hollande, ex-presidente da França, também foi um dos convidados, mostrando que uma playlist de canções podem guiar a narrativa de vida de qualquer um.
A versão nacional é dirigida por Laura Capanema e a edição de som de Dan Limaverde chama a atenção. Realizada com esmero, consegue misturar as canções citadas às falas dos entrevistados de forma muito inteligente, aproximando músicas e memórias.
Talvez a única ressalva que poderia ser feita é que as canções tocam muito brevemente. Mas é possível, através da própria plataforma Deezer, ouvir a playlist de cada entrevistado na íntegra em outros links.
O principal mérito do programa é conseguir fazer dialogar dois mundos aparentemente inconciliáveis: a frivolidade digital e a permanência da memória.
A internet parece cada vez mais ligada ao vão e fortuito. Há na grande rede a tentação de se fugir de discussões mais densas e profundas, ligadas às formas de se pensar a existência e refletir sobre o sentido da vida.
"A Playlist da Minha Vida" consegue unir esses dois mundos. Canções muitas vezes banais, megahits que embalaram multidões, são ressignificadas nas lembranças dos entrevistados, dando-lhes sentido existencial. Em vários momentos, nos sentimos uma mosquinha numa sessão de análise de famosos.
A principal qualidade do podcast de Fernanda Torres é que ele consegue resgatar a possibilidade de se escutar o outro novamente. Num mundo digital em que todos querem falar, falar e falar, "A Playlist da Minha Vida" quer ouvir.
Ao escutar o outro com atenção, entende-se suas razões, seus motivos, seus conflitos e dilemas conjunturais e existenciais. Através do podcast percebe-se o quanto muitas vezes "a música entra pelos poros e muda a gente, sem que a gente domine ela", como resumiu Fernanda Torres. Imperdível.
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