Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Podcast 'Depois Daquele Hit' mostra que repetir um sucesso é quase impossível

Programa de Zeca Camargo vai além da matemática da indústria fonográfica para entender 'one-hit wonders' brasileiros

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Os podcasts ressuscitaram algo que andava meio fora de moda desde o advento da televisão no Brasil: a audição de programas com contação de histórias.

Interessante paradoxo. Num mundo cada vez mais visual, em que a música tornou-se praticamente inseparável do videoclipe, ganha espaço a audição de histórias narradas em episódios, tal como na época das pioneiras estações de rádio ainda na primeira metade do século 20.

Zeca Camargo em estúdio; colunista da Folha narra o documentário "Existir e Resistir", sobre depressão; o jornalista é grisalho, tem cavanhaque, e está sentado de fone, em frente a um microfone profissional
Zeca Camargo em estúdio; colunista da Folha narra o documentário 'Existir e Resistir', sobre depressão - Divulgação

O enorme sucesso do podcast "A Mulher da Casa Abandonada", capitaneado por Chico Felitti nesta Folha, mostra que o interesse por histórias continua presente em boa parte da atual sociedade digital.

A maior parte de nós já tem uma lista dos seus melhores podcasts. Entre os meus destaques, merecem todos os elogios a biografia de Bolsonaro produzida pela revista Piauí sob o título de "Retrato Narrado", disponível no Spotify. Simplesmente brilhante —parece-me que é a mais profunda e densa biografia do presidente até agora já produzida, seja de forma oral ou escrita.

Vale nota de louvor também o podcast "Praia dos Ossos", produzido pela Rádio Novelo sobre o assassinato da socialite mineira Angela Diniz por seu então namorado, Doca Street, em dezembro de 1976 numa praia de Búzios. A construção dos personagens e a abordagem da repercussão do crime são simplesmente fantásticos.

Eis que tenho mais um podcast favorito, este sobre música. "Depois Daquele Hit" é um podcast exclusivo da Deezer, apresentado pelo veterano Zeca Camargo. Ele investiga canções "one-hit wonder" —aquelas músicas que fizeram muito sucesso por um verão apenas, fazendo seus cantores e compositores ficarem associados a elas eternamente.

Ao todo, serão lançados 16 episódios, que estão indo ao ar semanalmente às quartas-feiras. Zeca Camargo foi atrás de canções como "Totalmente Demais", da banda Hanói-Hanói; "Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua", de Sérgio Sampaio; "Rap da Felicidade", de Cidinho e Doca; "Chorando se Foi", do Kaoma; "Jeito Sexy", da Fat Family; "Quatro Semanas de Amor", da dupla Luan e Vanessa; "Heloísa, Mexe a Cadeira", do Vinny; "Papo de Jacaré", do P.O. Box, entre outros hits que fazem parte da memória afetiva de grande parte dos brasileiros que viveram os anos 1980, 1990 e início dos 2000.

O grande sucesso é uma faca de dois gumes: traz o dinheiro e a repercussão desejados, mas também traz a maldição de ter que fazer algo tão grandioso novamente. Com delicadeza e verdadeira consideração, Zeca vai atrás dos protagonistas e coadjuvantes do sucesso, mostrando a cadeia produtiva da música em suas entranhas.

"Depois Daquele Hit" aprofunda uma discussão sobre indústria fonográfica que quase sempre é bastante simplificada em conversas em rodas de bar —e às vezes até na academia—, como se fazer sucesso fosse mera questão de matemática financeira. Um sucesso pode ser planejado, mas nada garante que ele cumprirá sua promessa. Se fosse simples assim, seria também facilmente replicável.

É curioso ver na série de Zeca Camargo como o sucesso, além de ser algo imprevisível, demanda uma conjunção de vários fatores. Não basta ter apenas uma composição pegajosa, ótimos cantores, grandes produtores. Tudo isso precisa acontecer em conjunto com os desejos do público, sempre algo difícil de se captar. Pela conjunção de fatores, repetir um sucesso é quase impossível.

A série mostra também que sucesso é muito diferente de prestígio. Ter sucesso é alcançar a repercussão momentânea, cujos efeitos podem ser ganhar muito dinheiro e mudar radicalmente as vidas dos principais envolvidos.

Prestígio é algo mais difícil de se conseguir, pois demanda continuidade na carreira de sucesso e certa abnegação da privacidade por anos, às vezes décadas. O prestígio tem a ver com a noção de respeitabilidade que um artista constrói para si diante da sociedade, associando-se valorativamente mais ao artístico do que ao mercado.

Nem todos aguentam a barra do sucesso e muitos percebem aí que sequer querem o prestígio. Sérgio Sampaio, autor de "Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua", claramente viu-se desgostoso do lugar que alcançou e batalhou contra o próprio sucesso. O pop star que foge do sucesso é tão típico da cultura pop quanto o desejo de milhões de seres comuns de ocuparem este lugar.

Leve e sem grandes pretensões teorizantes, "Depois Daquele Hit" consegue bem mais do que almeja. Além de um ótimo passatempo, é uma boa contribuição para o entendimento das complexas relações da indústria da música na cultura pop.

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