Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Faltou originalidade à Globo na música de abertura de 'Terra e Paixão'

Ainda são raríssimas as aberturas de novelas com cantores sertanejos em evidência

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Estreou na Globo há duas semanas a novela "Terra e Paixão". Chamou a atenção o fato de que a música da abertura, "Sinônimos", cantada por Chitãozinho & Xororó ao lado da novata Ana Castela, é uma canção que tem quase 20 anos de idade. A Globo preferiu reciclar uma canção clássica, como vem fazendo em várias trilhas de novela de algum tempo pra cá, do que apostar em um novo sucesso.

"Sinônimos", composição de César Augusto, Paulo Sérgio e Cláudio Noam, foi lançada por Chitãozinho & Xororó no CD "Aqui o Sistema É Bruto", de 2004. Na gravação original, o paraibano Zé Ramalho divide os vocais com os irmãos paranaenses. Quando fez sucesso no início do milênio, "Sinônimos" foi trilha sonora do remake da novela "Escrava Isaura" (2004). Em 2008, foi usada novamente na trilha sonora de "A Favorita". Mais recentemente, "Sinônimos" foi tocada mais uma vez em "Além do Tempo", de 2015, dessa vez apenas com Zé Ramalho.

Apesar de certa preguiça da Globo em apostar numa canção nova para a abertura de "Terra e Paixão", não se pode dizer que a emissora carioca negligencie a música sertaneja em suas trilhas sonoras. A porteira das novelas globais se abriu de vez para os sertanejos com "Rei do Gado", de 1996. A inclusão dos sertanejos nesta trilha em dois volumes lançados, garantiram a maior vendagem de discos de uma novela da história.

Antes de "Rei do Gado", as trilhas sonoras da emissora dialogavam muito pouco com a música sertaneja. Durante o boom sertanejo, entre 1987 e 1994, cerca de 480 músicas nacionais foram utilizadas em trilhas sonoras da Globo em oito anos. Apenas 12 canções sertanejas. É muito pouco. Grandes sucessos como "É o Amor", "Desculpe mas Eu Vou Chorar" e "Pense em Mim" nunca entraram em trilhas sonoras da Globo. O megassucesso "Evidências", de Chitãozinho & Xororó, só foi trilha sonora de novela em 2019, em "Dona do Pedaço", 29 anos depois da gravação original.

Depois de "Rei do Gado", tudo mudou para os sertanejos, que passaram a povoar as novelas globais, especialmente as de temática rural. A novela "A Favorita" consolidou o elo entre a Globo e os sertanejos universitários em 2008, quando foi então lançado um CD apenas com canções sertanejas. Era o aval quase completo, mas faltava uma abertura de novela. Ela veio com "Sinhá Moça", cantada por Leonardo em 2006 e "Deus e Eu no Sertão", de Victor & Leo, dupla de maior sucesso na época, que foi abertura de "Paraíso", em 2009.

Cena da novela 'Paraíso' - Rai Reis/Globo

Apesar da enorme visibilidade dos sertanejos na Globo, ainda são raríssimas as aberturas de novelas com cantores sertanejos em evidência. Mesmo em "Rei do Gado" a abertura não era cantada por nenhum sertanejo famoso na época, mas pelo grupo Orquestra da Terra, criado por um dos compositores da canção, Nil Bernardes, para capitalizar em cima do sucesso da abertura. Novelas associadas à ruralidade como "Renascer" (1993), "Cabocla" (2004), "América" (2005) e "Pantanal" (2022) não tinham abertura cantada por sertanejos campeões de popularidade.

A trilha sonora de "Terra e Paixão" tem artistas da nova geração, como Ana Castela, dividindo os vocais da abertura. Tem uma dupla histórica, Chitãozinho & Xororó, com mais de 50 anos de carreira. Tem cantores que marcaram a história do gênero, como Marilia Mendonça, com "Te Amo Demais". Tem artistas do sertanejo universitário, que este ano completa a maioridade, 18 anos de história. São dessa leva "Coração Cigano", cantada por Luan Santana, e "Tem que Sorrir", por Jorge & Mateus. E tem também uma dupla dos anos 90: Bruno e Marrone, com "Um Sonhador".

Hoje parece que Globo e música sertaneja falam a mesma língua, até porque a gravadora global Som Livre é casa de vários sertanejos. Mas nem sempre foi assim, como vimos. E a falta de ousadia da Globo na hora de escolher a música da abertura ecoa essa dessintonia histórica.

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