Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Como BBB, MinC e TSE poderiam democratizar nossa democracia

Além da exposição, uma de suas propostas é massificar a utopia da democracia direta

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Na semana passada começou o Big Brother Brasil, programa da Globo que há 21 anos mobiliza o país. E junto com o BBB 23 vieram os tradicionais "paredões", nos quais os participantes são eliminados pelo voto da audiência.

O BBB apareceu no cenário cultural brasileiro em 2002 como o mais notório exemplar dos reality shows. Qual é a "realidade" proposta pelo BBB? Além de expor a suposta intimidade dos participantes, sua grande proposta é massificar a utopia da democracia direta.

O programa joga com o imaginário de que o voto da audiência é fundamental para o desenrolar do show. O BBB não tem roteiro pronto. Fica a impressão de que o público constrói o programa junto com a Globo, o que explica o fato de, para a audiência, algumas edições serem bem diferentes de outras.

O BBB é o principal programa da televisão aberta há duas décadas. Em épocas de democracia frágil como a que vivemos, é importante contarmos com qualquer força democrata. O Ministério da Cultura, hoje comandado por Margareth Menezes, e o Tribunal Superior Eleitoral, presidido por Alexandre de Moraes, deveriam levar a sério uma possível negociação com Boninho, o todo-poderoso do BBB, para fortalecer o espírito democrático no Brasil, com ajuda do programa.

Como o BBB poderia ajudar a democratizar a democracia brasileira?

A democracia é um aprendizado. Nenhuma sociedade sabe votar desde sempre e percalços existem em qualquer regime democrático. Aliás, a democracia é o único tipo de governo que consegue se autoimplodir: basta ver o risco que corremos ao eleger Bolsonaro. De forma que, para introjetarmos a democracia na sociedade, é importante treinar. O BBB pode ser uma boa pedagogia para ajudar os brasileiros a se enfronharem na democracia.

No entanto, para que o BBB contribua positivamente são necessárias algumas melhorias. Do jeito que opera, o programa de Boninho vem mais atrapalhando do que ajudando a democracia.

Um dos problemas da votação semanal do BBB é seu nome: "paredão". Em épocas de radicalidade política, convém mudar esse nome, que remete às piores práticas do autoritarismo antidemocrático.

Outros problemas da votação do BBB são o seu caráter descompromissado com o indivíduo e o estímulo às manadas eleitorais. Através de uma simples inscrição no site da emissora o eleitor pode votar inúmeras vezes. Isso gera um espantoso engajamento dos fanáticos, que mobilizam verdadeiros exércitos eleitorais. E gera lucros à emissora, que pode se gabar da enorme repercussão.

A decisão do BBB 20 entre Manu Gavassi, Felipe Prior e Mari Gonzalez chegou à marca de 1,5 bilhão de votos e entrou para o livro Guinness como recorde mundial. O número de votos foi mais de sete vezes a população do Brasil.

O método eleitoral do BBB utiliza-se da própria democracia contra ela mesma. O programa fortalece os gabinetes do ódio da internet: mobiliza manadas digitais, estimula a prática da patrulha e do cancelamento, promove a formação de grupos de vigilância, fãs apaixonados e currais eleitorais. Para um programa de TV surgido na era digital, nada melhor. Mas, se quisermos que o BBB ajude a democracia, é preciso inovar.

A primeira mudança necessária é instaurar o voto através do título eleitoral pelo celular, com comprovação via impressão digital. Um voto por indivíduo. Caso você ache sua pauta ou seu representante melhor, convença outros a votarem também. É assim que acontece numa democracia de verdade. Caso contrário é só gritaria e simulação de maiorias que não existem.

O BBB poderia ser a vanguarda de uma democracia digital no século 21. Boa parte de nossa crise política atual deve-se ao descompasso entre as grandes possibilidades abertas pela digitalização de todas as esferas sociais e a manutenção da política analógica. É preciso uma síntese mais eficaz desses dois mundos.

O medíocre debate público atual forçou-nos até a defender as urnas eletrônicas, quando na verdade já era hora de estarmos votando pelo celular! Se fazemos compras, pagamos cartão, pedimos comida, transferimos dinheiro por Pix, estudamos, chamamos o Uber, tudo pelo celular, por que não podemos votar pelo aparelho? Fraudes, dirão alguns. Mas fraudes existem no cartão de crédito também e nem por isso abdicamos dele. O BBB poderia nos ajudar a melhorar as formas de fiscalização digitais eleitorais para, quem sabe no futuro próximo, escolhermos o presidente da República também pelo celular!

Com mudanças assim, a Globo e o BBB poderiam ser um farol da democracia direta. Será que a Globo, hoje aparentemente tão simpática à democracia, toparia essas medidas? Será que um Ministério da Cultura de esquerda toparia dialogar com um programa "da indústria cultural massiva e alienante"? Será que o Tribunal Superior Eleitoral aceitaria lidar com um mero entretenimento do mainstream? É provável que nenhum dos lados queira tais avanços democráticos —tomara que eu esteja errado.

Convém não esquecer que a estrada do bolsonarismo foi pavimentada pela falta de diálogo entre democratas.

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