Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Entre erros e acertos, série sobre Chitãozinho e Xororó amplia biografia da dupla

Liberdade de 'As Aventuras de José e Durval' a permite revelar elementos como a bipolaridade da mãe dos cantores

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No dia 22 de setembro foi ao ar o último dos oito episódios da série "As Aventuras de José e Durval", dirigida por Hugo Prata, no Globoplay. Trata-se da dramatização da trajetória de Chitãozinho e Xororó, cujos nomes de batismo dão nome à série.

Com episódios de 40 minutos, o programa nos faz perguntar se o formato de série se presta a qualquer conteúdo dramatúrgico. Diferente dos filmes, cuja dramatização está contida em duras horas de duração, e das novelas, que duram meses, os seriados buscam o prolongamento da audiência através da intensificação de técnicas narrativas.

Andréia Horta, Felipe Simas, Rodrigo Simas e Marco Ricca em cena de 'As Aventuras de José e Durval', do Globoplay - Vans Bumbeers/Divulgação

Para não perder o espectador, uma série de padrões dramatúrgicos foram se impondo na cultura dos seriados. Histórias que cabem em um capítulo, ganchos que levam a outros episódios, temporadas que deixam em aberto novas questões para serem desenvolvidas mais adiante, personagens e núcleos que surgem e desaparecem e filmagem de diversos momentos de uma trajetória. Todas essas são táticas para fidelizar o espectador usadas na série "José e Durval".

Mas será que esta padronização serve para contar qualquer história? "José e Durval" renderia um bom filme. No formato de série, no entanto, os dramas ficaram por demais alongados, e o espectador sente-se frequentemente enrolado até o próximo episódio. Trata-se, aliás, de um problema comum de muitos seriados.

As vidas de Chitãozinho e Xororó, embora conectadas à história de milhões de brasileiros, carecem de drama. Não há grandes irrupções dramáticas em suas trajetórias, apenas a ascensão gradual em direção ao sucesso.

O bom mocismo da dupla desde a infância também dificulta a elaboração de um roteiro mais intrincado. Tudo isso aliado ao resguardo que a dupla sempre buscou em relação à vida íntima colabora para um seriado um tanto quanto insosso. Talvez por isso os roteiristas tenham deixado claro que "As Aventuras de José e Durval" não é uma biografia.

No início de cada episódio aparecem os dizeres: "Esta é uma obra coletiva de ficção baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade". Trata-se de uma forma cômoda de isentar-se de um roteiro biográfico. Em entrevista ao jornalista André Piunti, Xororó afirmou que a série é "50% verdadeira e 50% invenção".

Usar a imaginação para contar uma história não é necessariamente um problema. O ótimo "Dois Filhos de Francisco" também o faz, como na famosa cena em que o diretor Breno Silveira nos convence de que foram as moedinhas do pai que tornaram "É o Amor" um sucesso nacional. Um bonito conto de fadas.

Em "As Aventuras de José e Durval", por exemplo, há a criação de passagens que nunca existiram, como uma turnê dos meninos com a tradicional Inezita Barroso por circos do interior.

Mas além de fugir à realidade dos fatos com intensidade questionável, "As Aventuras de José e Durval" ignora a cronologia. Acontecimentos e músicas são mostrados fora de seu contexto original.

Apesar de tanta imaginação, nos "50% verdade" da série há ganhos concretos. O mais relevante deles é a encenação da bipolaridade da mãe, dona Araci, interpretada pela ótima Andréia Horta, que retrata com sutileza o transtorno caracterizada por variações acentuadas do humor e crises repetidas de depressão e manias.

Morta em junho de 2010, a mãe de Chitãozinho e Xororó nunca teve exposta esta faceta problemática de sua vida, que a levou a internações frequentes e visitas a médicos que apenas o sucesso da dupla conseguiu pagar.

Outro fato involuntário apresentado pela série é a importante participação do empresário José Homero Béttio na trajetória de Chitãozinho e Xororó.

José Homero era filho de Zé Bettio, famoso radialista caipira que nos anos 1970 trabalhava na Rádio Record paulista, uma das emissoras mais importantes do gênero. Seu filho, que trabalhava na gravadora Copacabana, tornou-se empresário da dupla Chitãozinho & Xororó em meados da década de 1970, consolidando a modernização da dupla a partir do sucesso do LP "Sessenta dias apaixonado", de 1979.

Apesar de figura fundamental, José Homero quase nunca aparecia com a importância devida nos relatos biográficos da dupla. No livro "Nascemos para Cantar", espécie de biografia oficial de Chitãozinho e Xororó escrita por Ana Lucia Neiva e lançada em 2002, por volta dos 30 anos de carreira da dupla, seu trabalho é parcamente reconhecido.

No documentário de mesmo título apresentado pela TV Record em 25 de dezembro de 2010, em comemoração aos 40 anos de carreira da dupla sertaneja, José Homero nem sequer aparece.

Rompendo com o silêncio sobre o empresário, o seriado faz jus a participação de José Homero Béttio, interpretado pelo ator Thiago Brianti. Involuntariamente —e às vezes querendo fugir do realismo—, o seriado conseguiu proezas que outras versões ocultaram, ou que a própria dupla fez questão de relativizar. Este é um dos méritos da liberdade criativa de "As Aventuras de José e Durval".

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