Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Quatro anos da morte de Gugu Liberato, importante mediador da música sertaneja

Dificilmente a música sertaneja se tornaria um sucesso nacional sem o poder da TV

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No último dia 21 de novembro, completaram-se quatro anos da morte do apresentador Gugu Liberato. Hoje em dia poucos se lembram, mas Gugu foi um nome importante da história da música sertaneja. Foi através do seu programa "Sabadão Sertanejo", veiculado nos anos 90 pelo SBT, que se catalisou a nacionalização da música sertaneja em todo o Brasil.

Gugu não inventou a roda. A música sertaneja já vinha numa crescente de popularização ao longo dos anos 80. Foi então que o SBT, uma emissora paulista em processo de nacionalização, pegou carona na história da música sertaneja. Entre 1986 e 1988, o SBT veiculou o programa "Chitãozinho & Xororó Especial". O dominical de meia hora ia ao ar às 12h30, antes do Programa Silvio Santos. Dando mais um passo, o patrão Silvio criou o "Musicamp", programa também dedicado aos sertanejos, comandado por Wagner Montes, Christina Rocha e Sonia Lima, que durou de 1987 a 1990.

Wagner Montes, Silvio Santos e Sonia Lima - Arquivo Pessoal

Aproveitando o fim do "Musicamp", Gugu criou o "Sabadão Sertanejo" em 1991. Na época, Gugu apresentava com grande sucesso o programa "Viva a Noite", que misturava musicais e gincanas com artistas nas noites de sábado do SBT. Diferentemente do "Viva a Noite", o "Sabadão Sertanejo" era simplesmente um musical. As duplas eram chamadas ao palco e cantavam uma ou duas canções. Na estreia, em 20 de julho de 1991, Gugu entregou a Leandro & Leonardo o disco duplo de diamante comemorativo dos mais de 2 milhões de cópias vendidas do disco daquele ano.

Indo além dos programas rurais do SBT dos anos 80, o "Sabadão Sertanejo" tinha estrutura mais empresarial e mercadológica. Era o único em horário nobre, alimentado pelos investimentos das empresas de seu apresentador. Gugu Liberato era dono da Dominó Comércio Internacional, que distribuía sucos na Europa através de Portugal, com faturamento anual de US$ 9 milhões. Seu salário no SBT era de US$ 50 mil, e ele lucrava ainda mais com os espaços de publicidade no seu programa, ganhos que chegavam a US$ 7 milhões ao ano. Gugu também era dono da Promoart, empresa que fazia shows com caravanas de artistas populares por todo o Brasil. Entre os artistas da Promoart estavam os grupos pop Dominó, Banana Split, Polegar, o cantor Marcelo Augusto e a dupla sertaneja Jean & Marcos, hoje esquecida.

Apresentado aos sábados à noite, o "Sabadão Sertanejo" tornou-se rapidamente o segundo programa mais visto da emissora, perdendo apenas para o dominical "Topa tudo por dinheiro". A boa audiência era proporcional às críticas das grandes mídias. A Folha de S.Paulo escreveu sobre a estreia do programa: "A última praga nacional é conhecida por ‘moda country’, mas, provincianismo de lado, seu nome real é cultura neojeca. Transformado em artigo de consumo chique, bem instalado nas grandes cidades e já adequado às exigências de segmentação do mercado, o neocaipirismo é o termômetro da atual involução cultural do país".

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Gugu no programa 'Sabadão Sertanejo' - Carlos Manfredo/SBT

Foi Gugu Liberato o responsável por levar vários sertanejos à casa do presidente Collor, quando este se encontrava acuado de todos os lados à beira do impeachment em 1992. Havia um interesse em comum: Gugu brigava para conseguir a concessão de um canal de TV para si próprio. Por sua vez, o presidente, que de fato ouvia a música sertaneja e dizia ser fã do "Sabadão Sertanejo", estava precisando de apoio popular.

A intensa comercialização da obra sertaneja já existia antes de Gugu cair de cabeça nesse mercado. Por sua vez, os sertanejos incrementaram, através da Promoart, o know-how acerca do deslocamento nacional, algo novo na trajetória daqueles músicos.

Além de promover shows por todo o Brasil, a Promoart juntou-se à gravadora Continental-Chantecler para a produção dos LPs coletâneas dos sertanejos. O primeiro LP "Sabadão Sertanejo" foi lançado em 1991; o volume dois saiu no ano seguinte, e a terceira edição, em 1994. Nesse último LP, quando a onda sertaneja já dava sinais de relativo desgaste, a Promoart aceitou a entrada de outros gêneros, entre eles o axé (Olodum, Ricardo Chaves, Banda Mel) e o pagode (Raça Negra, Só Pra Contrariar, entre outros).

Apresentação do Olodum, com o cantor Lucas de Fiori, em Itaquera, durfante a Virada Cultural 2023 - Eduardo Knapp/Folhapress

Em 1994, o palco do programa "Sabadão Sertanejo" deixou de ser exclusivo dos sertanejos. Em 1997, o programa perdeu o sufixo "sertanejo", passando a ser apenas "Sabadão". Em 1999, Gugu resolveu fechar a Promoart, que já não dava o lucro esperado.

Daí em diante Gugu teve pouquíssima influência na expansão da popularidade da música sertaneja. O sertanejo universitário, surgido por volta de 2005, diferentemente do sertanejo dos anos 90, era pouco dependente das gravadoras, então em derrocada por causa da pirataria. Artistas do novo milênio, como Victor & Leo, Jorge & Mateus e César Menotti & Fabiano, devem o sucesso inicial mais à pirataria e ao compartilhamento através da internet do que às TVs e à indústria fonográfica tradicional.

A relação de Gugu com os sertanejos dos anos 90 foi um exemplo da intensa simbiose da televisão com gêneros musicais no Brasil da segunda metade do século 20. Existiria MPB tal como a conhecemos sem os festivais da TV dos anos 60 e 70? Dificilmente. Teria o rock nacional sido tão popular nos anos 80 sem a participação em programas como Chacrinha, Globo de Ouro, Perdidos na Noite? Talvez não. E o axé, teria sido popular sem os concursos da loura do Tchan no Domingão do Faustão nos anos 90?

Dificilmente a música sertaneja se tornaria um sucesso nacional sem o poder da TV. Gugu Liberato foi esse mediador entre a TV e a música sertaneja.

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