O jogo de xadrez permite analogias com a tomada de decisões estratégicas em campanhas eleitorais. Reflito hoje sobre o recente movimento de Lula com Alckmin.
No xadrez, o jogador avalia a cada lance se está em vantagem, desvantagem ou equilíbrio. Sua chance de vitória é determinada por cálculos virtuais que dependem: a) do grau de iniciativa na abertura (a agilidade com que as peças são postas em casas-chave), b) dos recursos disponíveis (suas peças: damas valem mais que torres, que valem mais que bispos e cavalos, que valem mais que peões etc.), e c) do potencial de atividade das peças (por exemplo, as torres estão mais ativas quando não bloqueadas por um peão).
O jogador busca obter pequenas vantagens na soma desses quesitos. A ideia é formar uma posição com poucas fraquezas e, ao mesmo tempo, impor reveses ao adversário. Lula não detém a "iniciativa" nesta pré-campanha. Bolsonaro começou de brancas (que levam vantagem inicial) ao iniciar a campanha logo que assumiu a Presidência. O petista tem sido reativo, evitando debates ou agressões e respondendo por meio de entrevistas selecionadas a dedo a movimentos de Bolsonaro e Moro.
No quesito "recursos", Lula começa com vantagem aparente, indicada pelas pesquisas que apontam que neste momento teria mais votos ("peças") que os competidores.
Em "potencial de atividade", a situação parece equilibrada. Bolsonaro detém o controle do Orçamento, aprovou o Auxílio Brasil, tem o comando da PF e de outras instâncias da máquina pública federal. O STF tem sido simpático a Lula e bloqueado Bolsonaro, e os governos estaduais estão divididos. Lula leva vantagem no campo da imprensa, das universidades e no meio cultural; Bolsonaro, nas redes sociais.
A situação de Lula não é confortável, apesar da aparente vantagem. Com a aliança com Alckmin, joga como o armênio Tigran Petrossian, que se tornou campeão mundial em 1963 com um xadrez "profilático".
Assim como a seleção campeã de Carlos Alberto Parreira (1994), a preocupação de Petrossian era evitar toda fraqueza (não tomar gol) e oportunisticamente construir uma vantagem que levasse à vitória final. Lula "Petrossian" busca diminuir suas fraquezas, atraindo o eleitorado moderado de centro e a confiança do empresariado.
Petrossian reinou por seis anos e foi destronado por Boris Spassky, o primeiro "jogador universal, com clara inclinação para o jogo de ataque e esplêndida sensibilidade para a iniciativa", segundo Kasparov.
Spassky explorou no match de 1969 o "princípio das duas fraquezas". Uma posição frágil pode ser defendida por jogador hábil, mas a defesa de duas fraquezas exige a mobilização de preciosos recursos que farão falta em outro ponto do tabuleiro.
Com Alckmin, Lula espera atenuar sua fraqueza de condenado, mas dificilmente lidará bem com uma segunda fraqueza: o próprio Alckmin. Em 2018, o ex-governador foi varrido das urnas e, como Lula,
tem problemas de reputação ligados à corrupção. É odiado por boa parcela de petistas e outros extremistas de esquerda. E, como sempre foi de esquerda moderada, não atrairá os votos da direita.
O tabuleiro para 2022 vai se desenhando, e as forças que não querem a volta da esquerda ao poder terão trabalho. No xadrez, é preciso exercer pressão incessantemente, sem deixar espaços para contra-ataques.
Para Moro e Bolsonaro, é hora de explorar as duas fraquezas de Lula continuamente.
Assim como Lula, Petrossian era um defensor do regime soviético. Spassky, por outro lado, um dissidente. Que sua vitória e sua luta por liberdade inspirem os brasileiros em 2022
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