Se há um campo que revela todas as inconsistências de nossas filosofias morais, é o da ética aplicada a animais. É legítimo que comamos carne? Podemos fazer experiências com bichos? E manter animais de estimação? Até podemos esboçar respostas para essas perguntas, mas elas se mostrarão se não exatamente frágeis, ao menos baseadas em pressupostos teóricos que permanecem abertos a debate.
Christine Korsgaard, uma das maiores filósofas vivas dos EUA, faz, em “Fellow Creatures” um belo apanhado da confusão e oferece a sua resposta. Quem modernamente trouxe a questão dos bichos para a arena pública foi Peter Singer, com o lançamento, em 1975, de “Libertação Animal”. As conclusões práticas pró-bichos de Singer e de Korsgaard até que não estão tão distantes, mas os caminhos por que chegam a elas não poderiam ser mais diferentes.
Singer é um consequencialista. Isso significa que toda a sua filosofia se funda na ideia de que prazer e dor e seus análogos correspondem de forma absoluta ao que é bom e ao que é mau. Korsgaard é uma deontologista da cepa kantiana. Ela rejeita não só a identificação de prazer e dor com bem e mal como a própria possibilidade de que existam valores absolutos. Sua missão, que ela executa com brilho, é tentar mostrar que o imperativo categórico, a noção de que o próximo deve ser tratado como um fim em si mesmo e não apenas como um meio, abarca animais e não só seres humanos.
A dificuldade adicional é que, para fazer isso, Korsgaard precisa corrigir o próprio Kant, para quem a comunidade moral, isto é, a categoria de seres dotados de autonomia que podem ser tratados como fins, está limitada a humanos.
“Fellow Creatures” não é uma leitura fácil. Lida com argumentações que com frequência se tornam bastante sutis. Várias passagens precisam ser lidas duas ou mais vezes. Mas é uma obra importante para aqueles que se interessam tanto por filosofia ética como por animais.
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