Uma das coisas de que mais sinto falta nesta era de computadores é abrir o pesado dicionário em papel para procurar um termo e, no laborioso processo de localização pela ordem alfabética, ir descobrindo palavras novas. A busca por digitação é objetiva demais. Esse misto de pensamento com reminiscência me ocorreu durante a leitura de “Word by Word” (palavra a palavra), de Kory Stamper, um delicioso e obsessivamente bem-escrito livro sobre dicionários.
Se há uma figura no mundo das letras que eu definitivamente não invejo é a do lexicógrafo. Há um mal-entendido essencial que marca a relação entre dicionaristas e seu público. A maioria das pessoas recorre ao “pai dos burros” (tal apelido já diz muito) em busca de uma espécie de chancela legal (semântica, ortográfica, ética etc.) para o termo que pretende utilizar. A tarefa do lexicógrafo, porém, é a de registrar e definir os usos mais correntes de uma palavra, incluindo aqueles que ainda não estão inteiramente consolidados e são, portanto, vistos como “errados”, ou, ainda pior, aqueles que são considerados imorais.
Stamper, que é lexicógrafa profissional e durante vários anos atuou como editora-associada da Merriam-Webster, uma das principais casas de publicação de dicionários dos EUA, conta a história da corrente de protestos de religiosos que ela e seus colegas tiveram de enfrentar quando, numa das reedições, modificaram um dos sentidos da palavra “casamento” para comportar a união entre pessoas do mesmo sexo.
Entre várias boas histórias, “Word by Word” dá bem a ideia do trabalho insano que é produzir um dicionário, descrevendo todas as fases do processo, da coleção de averbações à fixação da(s) pronúncia(s), passando pela elaboração da definição e pela etimologia.
“Word by Word”, além de entreter, nos educa, contribuindo, ainda que apenas marginalmente, para que nos tornemos consulentes de dicionários um pouco mais conscientes.
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