Depois de ter sido execrada como a pior estratégia possível para lidar com a Covid-19, a busca pela imunidade de rebanho vem reaparecendo como algo não apenas factível mas como fenômeno que já estaria até em curso em certas cidades. Será que estamos diante da vingança dos suecos?
Em áreas mais duramente atingidas pela epidemia, como a Lombardia, Estocolmo, Nova York e São Paulo, constata-se que o número de novos casos caiu e não voltou a crescer, apesar de grandes diferenças no ritmo de reabertura e de a proporção de infectados detectada em inquéritos sorológicos quase nunca ter excedido os 20% da população, limiar que, pelos cálculos iniciais, deveria ser insuficiente para uma imunidade coletiva.
É cedo para determinar se esse efeito é real ou só uma ilusão de momento. Insisto também em que a posição mais ética a adotar, dado o nível de informação que tínhamos no início da pandemia, era a mais cautelosa. Mesmo assim, não faltam explicações para o que pode estar ocorrendo —e isso é o fascinante na ciência.
Uma parte delas tem a ver com a matemática. A fórmula para o cálculo da imunidade de rebanho pressupõe uma população homogênea e totalmente suscetível à doença. No mundo real, a população é heterogênea e se subdivide em clusters com pouca comunicação entre si. Isso pode mudar as contas.
Ainda mais decisiva é a questão da imunidade, que é mais complexa do que se pensava, envolvendo respostas humorais (de anticorpos) e celulares (linfócitos T), além da possibilidade de existirem coortes imunes ao vírus. É a tal da imunidade oculta, de que pesquisadores como Sunetra Gupta já falavam.
É aí que desponta uma dúvida crucial. Uma série de estudos sugere que a imunidade para a Covid-19 será de curta duração (meses). Segundas infecções tenderão a ser mais brandas, como é o mais frequente com vírus, ou provocarão reações exacerbadas, como se vê com a dengue?
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