Tramita no Senado uma PEC que autoriza o comércio de plasma humano.
Alimentação, fluidos corporais e órgãos internos são repositórios quase naturais de nossas intuições religiosas e morais. É sobre eles que recaem grande parte dos tabus sem muita base racional, como o veto à carne de porco por judeus e muçulmanos ou a proibição de tocar mulheres menstruadas verificada em várias culturas. Uma versão "high tech" dessa tendência se materializa na alocação de órgãos e tecidos para transplante e outras finalidades médicas e científicas.
Exceto pelo Irã, todos os países proíbem o comércio de órgãos. A venda de sangue, plasma, óvulos e esperma está em território mais ambíguo, sendo liberada em algumas nações e vetada em outras. O Brasil é uma das que proíbe geral. Por aqui, tudo só poderia ocorrer em caráter filantrópico.
Já desisti de ver um mundo em que todas as leis sejam feitas com base em razão e evidências, mas ainda cobro coerência. Se é o altruísmo que deve marcar o setor, por que só os doadores são privados de pagamento, mas profissionais de saúde e empresas que atuam nessa cadeia, não?
E mesmo isso é relativo. Israel proíbe a venda de órgãos, mas autoriza o doador a ser indenizado pelos dias que ficou sem trabalhar por causa da cirurgia. Até no Brasil doadores podem receber prebendas, como o auxílio funeral, que têm valor monetário. São jeitos de pagar fingindo que não o fazemos, uma forma de hipocrisia.
A essa altura, o leitor deve estar imaginando que eu apoio a PEC do Plasma. Não é o caso. A proposta me parece mal desenhada. Ao permitir pagamento para a doação de plasma, mas não a de sangue (os dois procedimentos são parecidos), ela bagunçaria o coreto. Há mais: uma das lições da economia comportamental é que mudanças de registro do gratuito para o pago frequentemente produzem efeitos paradoxais. É preciso testar muito bem essas coisas antes de implementá-las.
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