Descrição de chapéu
Nelsinho Trad

É correto liberar pagamento a doador de plasma? SIM

Adotada com sucesso em outros países, prática amplia acesso à saúde

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nelsinho Trad

Senador da República (PSD-MS), é autor da PEC do Plasma (proposta de emenda à Constituição 10/2022) e médico com especialização em cirurgia geral, urologia, medicina do trabalho e saúde pública

O plasma é matéria-prima de mais de 20 medicamentos indispensáveis para o tratamento de hemofilia, esclerose múltipla, câncer, queimaduras graves, Aids e variações da hepatite, entre várias outras doenças.

A medicina teve avanço tecnológico, mas a legislação brasileira não acompanhou. O Brasil não tem sistema de plasma capaz de garantir o acesso oportuno e adequado às necessidades da população.

Os maiores produtores de hemoderivados do mundo são Estados Unidos, Alemanha, Áustria, Hungria e República Tcheca, que remuneram a coleta do plasma. Eles têm autossuficiência na produção de imunoglobulina, albumina e fatores de coagulação porque possuem sistema de coleta e processamento consolidado. O Brasil não é autossuficiente. Nossa Constituição apresenta os sistemas de sangue e hemoderivados integrados como se fossem um único —mas, na prática, não são.

Funcionárias da Hemobrás, estatal que tem atribuição legal de produzir remédios a partir do sangue e do uso de biotecnologia - Foto Acervo Hemobrás

O texto constitucional de 1988, se de um lado corrigiu o caos dos serviços de transfusão de sangue, de outro permite confusão entre o chamado "doador de sangue total" e o "doador de plasma", além de garantir ao setor público exclusividade nesses serviços. Isso, por muitos anos, vem gerando dependência nacional de importações. O Ministério da Saúde estima um gasto de R$ 1,5 bilhão por ano. Valor, provavelmente, subestimado, pois o SUS já não cobre a demanda real.

É preciso esclarecer: a doação de plasma não é uma doação comum de sangue. O método mais utilizado para a obtenção do plasma é aférese. Nela, separa-se e remove-se o componente sanguíneo do organismo através de equipamentos automatizados, sem qualquer prejuízo para a saúde do doador. Depois, esse plasma é armazenado e processado. Muitos não sabem, mas o perfil do doador de plasma é diferente do perfil do doador de sangue. Eu já doei tanto sangue como plasma.

Com orgulho, temos uma fábrica pública, a Hemobrás (Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia). No entanto, após 18 anos de sua instalação, a promessa da operação plena ainda não se concretizou. Enquanto isso, o país joga no lixo o plasma do povo brasileiro por falta de condições de processamento. Só no ano de 2020, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público apontaram o descarte de quase 600 mil litros de plasma.

Para cobrir a atual necessidade do SUS, são necessários pelo menos 200 milhões de litros de plasma ao ano. A meta final de produção da Hemobrás, se alcançada, está fixada em apenas 500 mil por ano.

Na prática, o Brasil continuará remunerando a doação de plasma por meio de suas importações. Como médico e defensor do SUS, não poderia ser conivente com esse cenário.

É tempo de encarar o problema e buscar soluções mais eficientes, uma legislação atualizada. A Proposta de Emenda à Constituição 10/2022, conhecida como PEC do Plasma, é o primeiro passo. Permite a separação dos sistemas e a entrada da iniciativa privada para a produção de hemoderivados, a fim de complementar a ação pública. Significa o fortalecimento do SUS, não a comercialização da doação de sangue.

Dizer que estamos retrocedendo também é negar a evolução da medicina, a qualidade do trabalho nos serviços de saúde e a capacidade de regulação da Anvisa.

A pergunta a ser feita é outra. Por que o país com o maior sistema nacional de saúde pública do mundo, o SUS, insiste em não ser autossuficiente na produção de hemoderivados? Quando o Estado não dá conta, resta reconhecer a necessidade de ampliar a participação do setor privado em socorro ao cidadão brasileiro.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.