Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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Hélio Schwartsman

Mauro Cid é um traidor?

Instituto da delação premiada é indispensável para desbaratar organizações criminosas

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São Paulo

Nossas intuições morais foram forjadas no Pleistoceno, quando ser aceito pelo bando era indispensável à sobrevivência. Isso acirrou nossos sentimentos de lealdade ao grupo e, por simetria, a ojeriza à traição. O Pleistoceno acabou 10 mil anos atrás, mas ainda carregamos suas marcas.

De Bruto e Cássio a Judas, traidores são objeto de opróbrio universal, na literatura e na vida real. Códigos penais punem com mais rigor criminosos que se valem de ardis. Nos presídios, alcaguetas têm expectativa de vida menor do que quem sabe ficar de boca fechada. Até advogados de defesa olham com desconfiança para o instituto da delação premiada.

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, em depoimento na CPMI do 8 de Janeiro, no Senado - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Se pessoas normais já ficam com um pé atrás em relação a quem possa ser visto como traidor, não surpreende que bolsonaristas exaltados queiram empalar e esquartejar o tenente-coronel Mauro Cid, que fechou um acordo de delação premiada. Mas será que podemos chamar Mauro Cid de traidor?

Do Pleistoceno até os dias de hoje, as sociedades ficaram mais complexas. Se antes todos sabiam a qual bando cada indivíduo pertencia, uma pessoa hoje integra simultaneamente vários grupos. Um soldado, por exemplo, tem família, amigos, correligionários, mas também seu pelotão, o Exército e superiores hierárquicos. É ainda um servidor do Estado brasileiro. A quem ele deve lealdade?

A superposição de tantas camadas pode confundir a bússola moral, mas, do ponto de vista da cidadania, não há dúvida de que a lealdade última é para com o Estado e suas leis. Sob esse prisma, Mauro Cid, ao relatar ainda que tardiamente crimes de que tem ciência, frustra alguns dos grupos a que pertence, mas se mostra fiel ao país.

Apesar de malvista, a delação premiada é imprescindível para desbaratar organizações criminosas mais sofisticadas. E não creio que haja óbice moral em utilizá-la. Entre as múltiplas atribuições do poder público, não está a de fomentar a ética entre bandidos.

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