Darwin e Deus

Um blog sobre teoria da evolução, ciência, religião e a terra de ninguém entre elas

Darwin e Deus - Reinaldo José Lopes
Reinaldo José Lopes

Bichos com cérebro grande se extinguiram menos na Era do Gelo

Estudo de cientistas italianos e israelenses analisa causas do fim da megafauna

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Do nosso ponto de vista do século 21, é quase impossível fazer o exercício de imaginação necessário para compreender como era o mundo de 10 mil anos atrás, no fim da Era do Gelo. Entre outras coisas, era um mundo repleto de bichos gigantescos (ao menos para os nossos padrões), a chamada megafauna do Pleistoceno. A grande maioria dos mamíferos e aves de grande porte do mundo (definidos arbitrariamente como animais com 50 kg ou mais) bateu as botas nessa época. E ainda estamos longe de saber os detalhes de como isso aconteceu. Um novo estudo está tentando colocar mais uma peça nessa quebra-cabeças, propondo que parte da vulnerabilidade desses bichos à extinção tem a ver com o tamanho relativo do cérebro deles.

A imagem mostra um ambiente seco com árvores esparsas na Austrália, com mamíferos e répteis de grande porte, 45 mil anos atrás
Reconstrução artística de mamíferos e répteis de grande porte que habitavam a Austrália na Era do Gelo - AFP/Nature/Universidade Monash/Peter Trusler

O artigo científico detalhando essa hipótese acaba de sair no periódico especializado Scientific Reports, assinado por Jacob Dembitzer, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, junto com colegas italianos da Universidade Frederico 2o de Nápoles. Eles compararam reconstruções do cérebro de 50 espécies extintas de mamíferos com as de quase 300 espécies atuais para chegar a essa conclusão.

Antes de detalhar um pouco mais os resultados, porém, vale a pena destacar mais alguns elementos do pano de fundo da extinção do Pleistoceno. O que está claro, em primeiro lugar, é que ela foi altamente seletiva do ponto de vista do tamanho: quanto maior o bicho, maior a chance de desaparecer. Faz sentido quando a gente considera que animais maiores têm maior tempo de gestação (se forem mamíferos), maiores intervalos entre gestações e geram menos filhotes a cada ciclo reprodutivo. Ou seja, perturbações ambientais, novos predadores etc. tendem a afetar mais a chance de os monstrões continuarem a se reproduzir. Um filhote devorado é muito, muito difícil de repor.

Outro ponto essencial é que a megafauna das Américas e da Oceania (e também a da ilha africana de Madagáscar) levou muito mais pancada no lombo do que, em ordem decrescente, a da Eurásia e a da África. As cenas das savanas africanas de hoje, lotadas de herbívoros e carnívoros de grande porte, eram comuns no Brasil de 10 mil anos atrás. A América do Sul contava com uma proporção de mamíferos pesando mais de uma tonelada (entre preguiças-gigantes, parentes dos elefantes e supertatus) superior à da África.

Como tanto as Américas quanto a Oceania (em primeiro lugar, nesse caso, a Austrália e a Nova Guiné) só ganharam habitantes humanos na Era do Gelo, existe a suspeita grande de que a caça praticada pela nossa espécie tenha empurrado a megafauna de tais continentes para o abismo. Na prática, a matéria é controversa, como mostra esta reportagem de minha autoria; as mudanças climáticas brutais dessa época também podem ter sido importantes, ou pode (aliás, até deve) ter havido uma sinergia entre esses fatores.

Voltando ao novo estudo: Dembitzer e seus colegas mostraram, como era esperado, que o tamanho corporal é um dos fatores ligados ao risco de extinção da megafauna. No entanto, eles também verificaram que os mamíferos sobreviventes de hoje têm cérebros até 83% maiores que os das espécies extintas de tamanho similar (dependendo do método estatístico usado, o número passa a ser 53%, ainda assim bastante significativo).

A explicação proposta por eles é que o maior tamanho cerebral poderia ter conferido a seus portadores um comportamento mais flexível e maior capacidade de escapar de predadores humanos ou lidar com mudanças ambientais de grande escala.

Acompanhe-me no Twitter, YouTube e Instagram!

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.