Ian Bremmer

Fundador e presidente do Eurasia Group, consultoria de risco político dos EUA, e colunista da revista Time.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Desglobalização, populismo e ascensão da China vão definir próxima ordem mundial

Essas três grandes tendências foram aceleradas pela pandemia do novo coronavírus

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O 11 de Setembro de 2001 abalou o mundo. A crise financeira global de 2008/2009, também. Nenhum dos dois se compara ao coronavírus.

Quando o 11 de Setembro e a grande crise financeira nos atingiram, a ordem mundial estava firmemente estabelecida; os EUA entraram em ação imediatamente nas duas ocasiões, coordenando a reação global, com o resto do mundo dando apoio.

Desta vez, porém, os EUA estão tendo dificuldade simplesmente em lidar com a emergência em casa. Liderança internacional é a última coisa com que Washington está preocupada.

Mulher com máscara passa em frente a retrato do dirigente chinês, Xi Jinping, em rua em Xangai
Mulher com máscara passa em frente a retrato do dirigente chinês, Xi Jinping, em rua em Xangai - Aly Song - 12.mar.20/Reuters

Mas a verdade é que Washington já estava se afastando da liderança global muito antes do coronavírus; a pandemia apenas acelerou esse movimento.

De fato, embora o coronavírus seja a verdadeira crise genuína de nosso mundo GZero, geopoliticamente acéfalo, ele está acelerando muitas tendências geopolíticas que já estavam em andamento.

Três delas, em especial, vão desempenhar papéis de grande importância em moldar a próxima ordem mundial, pós-americana, que vai começar a emergir para valer quando chegarmos ao outro lado desta pandemia.

Desglobalização

Durante boa parte do século passado a globalização estreitou os laços que unem o mundo, mas nos últimos anos o impulso político que move a globalização estacou (veja: brexit, eleição de Donald Trump).

Essa realidade já começou a complicar seriamente as operações de multinacionais que utilizam cadeias de fornecimento “just-in-time” espalhadas pelo mundo para maximizar sua razão custo-eficiência.

Não faz muito tempo, empresas privadas eram aplaudidas ativamente pelos mercados e os governos por maximizar os retornos econômicos, buscando agressivamente realizar investimentos no exterior. Esses dias chegaram ao fim.

Enquanto o coronavírus deixa milhões de pessoas sem trabalho, as multinacionais que já enfrentam problemas econômicos em suas cadeias de fornecimento excessivamente expostas vão ter que começar a lidar também com interferência política crescente, enquanto enfrentam pressão política doméstica crescente para “renacionalizar” e reorganizar suas cadeias de fornecimento de maneira que lhes rende menos lucro, mas atende mais aos interesses nacionais.

A crença compartilhada no valor da globalização impulsionou muita cooperação na última ordem mundial.

A resposta fraturada ao nosso mundo atualmente em processo de desglobalização vai definir a próxima ordem mundial.

Nacionalismo

Ao lado do aumento recente das críticas à globalização, cresceram o nacionalismo e a política do tipo “meu país em primeiro lugar”. Fato notável, essa alta do nacionalismo se deu numa época de relativa estabilidade econômica e prosperidade em boa parte do mundo desenvolvido e em desenvolvimento.

É claro que essa prosperidade econômica se refletia melhor nos números do PIB que faziam manchete; mais abaixo disso, a crescente desigualdade de renda esvaziava as classes médias de muitas economias desenvolvidas.

Mas agora o coronavírus vai virar do avesso tanto os grandes números econômicos quanto o cotidiano de muitas pessoas que já enfrentavam dificuldades simplesmente para subsistir.

Os mais atingidos serão aqueles que têm menos gordura para queimar –muitos cidadãos estão prestes a sentir na pele, de forma muito mais aguda, as falhas das redes de segurança social do século 21.

E, à medida que as pessoas são forçadas a retroceder e se isolar mais, tendo as redes sociais como sua fonte principal de ligação com o mundo externo, elas vão cair mais fundo nas câmaras de eco dos feeds de notícias polarizados. Há mais nacionalismo no horizonte, não menos.

China

Finalmente, pairando sobre todas as outras tendências, está a ascensão da China ao lugar de superpotência política genuína. A chegada da China como potência econômica e tecnológica já era prevista; os dados apontavam nessa direção havia anos.

Mais surpreendente tem sido o uso feito por Pequim das comunicações sobre coronavírus e da assistência humanitária decorrente para reforçar seu “soft power” e suas oportunidades nesse sentido, de repente elevando a China, aos olhos de muitos, à posição de rival geopolítica legítima dos Estados Unidos.

Embora ela ainda não tenha o poderio militar necessário para verdadeiramente representar uma ameaça existencial absoluta aos EUA como a União Soviética foi no passado, seu papel agressivo no combate ao coronavírus impressionou muitos, especialmente em comparação com os EUA.

Não obstante o papel desempenhado pela China em acobertar o surto inicial do vírus e deixar que ele se propagasse globalmente em primeiro lugar, sua resposta ao coronavírus está fazendo do país uma alternativa mais digna de crédito do que os EUA em matéria de liderança global, especialmente para os países desesperados por conseguir ajuda onde quer que a consigam.

As tensões geopolíticas já estavam em níveis preocupantes antes mesmo da pandemia.

Mas, em vez de unir o mundo contra um inimigo comum, o coronavírus expôs a falência de nosso sistema geopolítico atual.

Exatamente quão falido ele está vai ficar claro nas próximas semanas e nos próximos meses... Deitando as bases para a nova ordem mundial que está por vir.

Tradução de Clara Allain

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