O estado americano de Montana é conhecido por ter mais gado que habitantes em suas mais de 300 montanhas e, no passado, por ter sido uma das principais fontes de ouro, prata, cobre e safira do país.
Desde meados de maio, porém, a região pode ter entrado na história por um fato talvez pequeno hoje, mas com consequências primordiais no futuro: o banimento da rede social chinesa TikTok.
Chancelada pelo governador Greg Gianforte, um republicano, a lei que proíbe o uso do aplicativo foi aprovada na Câmara estadual com relativa tranquilidade, com placar de 54 a 43. O texto acusa o TikTok de "reunir informações importantes dos usuários, acessando dados contra sua vontade para compartilhá-los com a República Popular da China", e estabelece multa diária de US$ 10 mil para os infratores.
É, até agora, o mais longe que qualquer autoridade ocidental já foi em relação à popular rede chinesa. Caberá à Justiça decidir —a controladora do app, a ByteDance, já protocolou uma ação, alegando que a lei viola os princípios da liberdade de expressão previstos na Primeira Emenda—, mas a ofensiva não para aí.
Multiplica-se o número de países ocidentais dispostos a seguir o mesmo caminho, levando-nos para um novo ambiente digital: o de uma internet rachada, com fronteiras bem delimitadas. Reino Unido, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e União Europeia aprovaram leis que proíbem o uso do TikTok em dispositivos de funcionários de seus governos. Em nível federal, um comitê da Câmara dos Representantes dos EUA concedeu em março poderes a Joe Biden para banir a empresa de operar em território americano.
Discussões em torno do tema foram inicialmente recebidas com críticas por organizações da sociedade civil, mas os ânimos mudaram quando a ByteDance admitiu ter usado o app para espionar jornalistas do Financial Times e do BuzzFeed que cobriam a empresa. Ao menos nos Estados Unidos, as preocupações deixaram os corredores do Capitólio e chegaram aos eleitores, como mostra pesquisa do Pew Research Center: 50% dos americanos agora apoiam a proibição do aplicativo, contra 28% que se opõem.
A despeito de escândalos pontuais, ainda não há provas robustas de que o TikTok esteja ativamente colhendo informações de seus usuários (ou de que tenha poder para fazê-lo de forma ostensiva). Ainda assim, ao ser percebida como uma ameaça à segurança nacional, a rede chinesa pode ter inaugurado uma era em que as fronteiras da internet serão cada vez mais sólidas. Sob a mesma alegação, Donald Trump queria banir o WeChat, popular serviço de mensagem chinês, inicialmente uma versão local do WhatsApp.
Eleito ou não em 2024, quem garante que o republicano (ou seus aliados) vai parar por aí?
Na China, é claro, esse processo está em curso há muito mais tempo. Desde o final da década de 1990 e com mais força a partir de meados dos anos 2000, um poderoso firewall bloqueia redes sociais, sites de notícia e serviços ocidentais. Google, Meta, Wikipedia e vários veículos de mídia estão inacessíveis há décadas para cidadãos chineses. Sob Xi Jinping, o cerco ficou ainda mais rígido, com relatos de pessoas levadas à prisão por usarem serviços de VPN, ferramenta que contorna o bloqueio.
A diferença é que, a despeito da minuciosa lupa aplicada pela censura chinesa às informações disponíveis aos seus cidadãos, o Ocidente costumava se gabar de seu modelo de "internet livre". O mito caiu com os múltiplos bloqueios aplicados pela Europa à mídia estatal russa durante a invasão da Ucrânia, e qualquer ilusão do tipo deve ruir de vez com as possíveis restrições ao TikTok e congêneres chineses.
Será uma questão espinhosa de lidar, com reflexos diretos não apenas ao que vemos (e deixamos de ver) na internet, mas também para a utopia de uma internet livre operando como ponte entre os humanos. No horizonte, Montana pode ter sido o primeiro passo de um novo capítulo na revolução tecnológica.
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