Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China greve

Precarização do trabalho na China é problema que merece mais atenção

Abertura da economia transformou tecido social chinês e tornou mercado mais hostil a quem não tem formação acadêmica

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Peça a qualquer sinólogo ou observador da China para apontar os maiores desafios do país nos próximos anos, e a lista será longa —crise imobiliária, tensões com os EUA, dificuldades de atração de investimento direto estrangeiro, demografia… Os temas são rotineiros e volta e meia estampam manchetes mundo afora. Há, porém, um problema que raramente chama a atenção da imprensa: a precarização do trabalho.

No início desta semana, entregadores via aplicativo na província de Guangzhou resolveram cruzar os braços, em protesto desencadeado pelo endurecimento das regras nas plataformas de delivery. A Meituan, que paga em média R$ 2,73 por entrega, anunciou que estabeleceria multas para quem se recusasse a trabalhar em dias de chuva e ameaçou diminuir os valores repassados aos trabalhadores.

Entregador via app descansa em cima de moto elétrica em Pequim
Entregador via app descansa em cima de moto elétrica em Pequim - Wang Zhao - 13.abr.23/AFP

Não chega a ser um fato novo nem exclusivo da China, mas greves do tipo acontecem com cada vez mais frequência no país, com reclamações quase sempre centradas nas exaustivas jornadas de trabalho, na parca proteção social e nos péssimos valores pagos.

A China ficou conhecida mundialmente pelas vagas de emprego insalubres e pelo pagamento escasso, mas agora esse fenômeno tem um aspecto novo. A rápida e constante abertura da economia transformou profundamente o tecido social, tornando o mercado mais competitivo e hostil a quem não tem formação acadêmica (ainda hoje a grande maioria da população). Além disso, o sistema de hukou, desenvolvido para desincentivar a migração interna ao limitar o acesso de chineses a serviços públicos fora de suas cidades de origem, também relegou a esses trabalhadores um status de precarização sem precedentes.

Resta a quem sai do interior, ainda subdesenvolvido em relação às opulentas metrópoles como Pequim e Xangai, contentar-se com "bicos". São os entregadores de comida e mercadoria mas também pedreiros, garçons, caixas de supermercado… Em sua maioria, jovens atraídos pela farta oferta de emprego nas grandes cidades e que são responsáveis pela subsistência de filhos e pais vivendo na zona rural.

Impelidos pela necessidade de economizar e enviar dinheiro para casa, submetem-se a jornadas exaustivas e se ressentem de um sistema gerido pela política oficial que ainda na década de 1970 autorizou alguns a "enriquecerem primeiro", criando um abismo de desigualdade no processo.

Em 2022, a população parou de crescer e, graças ao aumento na expectativa de vida, o país está envelhecendo mais rapidamente. Até 2030, especialistas estimam que 30% dos chineses terão 65 anos ou mais, com reduções significativas na mão de obra disponível. Na prática, significa que o jovem de hoje será o responsável por cobrir o buraco em pensões modestas e por subsidiar os próprios gastos e também os dos idosos pais, tios e avós, em um grupo paulatinamente mais numeroso.

Isso só é possível em subempregos (sim, no plural), com jornadas que tendem a ser mais longas, criando problemas para a saúde física e mental de jovens nativos do chamado capitalismo de mercado. Assim, o acúmulo de funções deixará de ser um extra e passará a figurar como necessidade de primeira ordem.

Adaptar-se aos novos tempos demandará um exímio jogo de cintura do governo. Diferentemente da população mais velha, os jovens de hoje nasceram num país próspero na economia. Trabalhar para não morrer por inanição, algo tão comum na China em meados do século 20, soa como algo anedótico para vários deles. O jovem chinês tem pressa por respostas viáveis que o governo talvez ainda não tenha.

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