Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China carro elétrico

Montadora de carros elétricos da China chega ao Brasil em prenúncio de nova era

Se futuro da mobilidade for verde como pede o planeta, sua fabricação será vermelha

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Em vários aspectos, o fim das operações da Ford em Camaçari, na Bahia, e a chegada da chinesa BYD (Build Your Dreams) à cidade é um prenúncio de um novo mundo no mercado de mobilidade global. O acordo, oficializado com a devolução da fábrica sob administração americana para o governo estadual nesta quarta-feira (4), é o primeiro passo para que uma das maiores empresas de carros elétricos e eletrificados no mundo tome a dianteira deste crescente mercado no Brasil.

A BYD é só uma parte de uma revolução iniciada há décadas pela China. Enquanto a política industrial dos Estados Unidos ignorou largamente a área, os chineses vêm apoiando desde 2010 a popularização dos chamados "carros verdes" —nomenclatura questionável, dado o grau de degradação ambiental necessário para a produção de seus componentes.

Stella Li, CEO da BYD Américas, ao lado do governador da Bahia, Jeronimo Rodrigues, durante lançamento da montadora chinesa no estado, em Salvador, em julho
Stella Li, CEO da BYD Américas, ao lado do governador da Bahia, Jeronimo Rodrigues, durante lançamento da montadora chinesa no estado, em Salvador, em julho - 4.jul.23 - Divulgação

A iniciativa foi, acima de tudo, uma resposta a uma demanda doméstica. A China crescia na casa dos dois dígitos na época, em um impulso sustentado primariamente por combustíveis fósseis. Com um trânsito cada vez mais caótico, e poluição do ar em níveis cancerígenos nas principais metrópoles do país, o governo tentou de tudo: rodízios, políticas de limitação para emplacamento de carros novos, aumento de impostos. Mas a frota nacional continuou a se avolumar.

Os carros elétricos e eletrificados foram a solução mais realista. Pequim então iniciou uma agressiva política de subsídios, investimentos em tecnologia e construção da infraestrutura necessária para esta modalidade.

Para quem comprava seu primeiro carro, o regime passou a oferecer linhas de crédito especiais a juros baixos. Também foram disponibilizados bons subsídios, que partiam dos 4.800 yuans para os veículos híbridos e podiam chegar a até 12,6 mil yuans para os 100% elétricos (entre R$ 3.500 e R$ 9.000, em valores atualizados).

Os benefícios atraíram uma parcela considerável de jovens profissionais, que precisavam de carros, mas não estavam dispostos a pagar milhares de yuans não só pelos produtos em si como também para as pesadas taxas de licenciamento.

Ao setor empresarial foram oferecidas isenções fiscais e impostos menores para importação e exportação de peças, políticas que se mostraram acertadas: em 2022, a China já liderava de longe o mercado mundial, tendo produzido 6,8 milhões de unidades de veículos do tipo.

Pequim se certificou de garantir dois fatores essenciais para o sucesso da empreitada: o acesso a matérias-primas e as pesquisas em tecnologia e desenvolvimento. Os chineses hoje dominam cerca de 70% de todas as reservas de lítio no planeta, material essencial para a produção de baterias para carros elétricos. A influência diplomática na África também garantiu acesso privilegiado às minas de cobalto do Congo, país com maior abundância do metal.

Com isso, a China pode hoje se orgulhar de abrigar a empresa com a melhor tecnologia de baterias para carros elétricos do mundo —a CATL, essencialmente a maior fornecedora do componente para marcas como Tesla, GM, Volkswagen, BMW e a própria Ford.

A exportação foi o caminho natural para as montadoras chinesas depois que elas se consolidaram no mercado doméstico. Enquanto isso, alternativas americanas ficaram pelo caminho.

Graças a um poderoso lobby das petroleiras, combinado com a custosa infraestrutura necessária para fazer a tecnologia decolar, os EUA investiram menos no setor. O país até conta com vários carregadores da Tesla espalhados pelo território, sobretudo nas áreas urbanas, mas eles estão aquém da necessidade de um sistema que preteriu o transporte público ao longo de décadas. Donald Trump também reverteu várias políticas ambientais que poderiam ter reduzido a distância das fábricas americanas do setor em relação às chinesas.

Ao menos neste campo, hoje é possível dizer com alguma segurança que os americanos terão papel secundário. A Europa tem feito avanços e, ciente da dificuldade de competir com as alternativas do gigante asiático, discute a implantação de tarifas adicionais para as chinesas BYD, GWM e outras. É colocar band-aid em uma ferida que ainda demorará muito para cicatrizar: se o futuro da mobilidade for verde como pede o planeta, sua fabricação será vermelha.

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