Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Jovens na China tentam lidar com ideia de que ser 'apenas bom' não basta

Pressão social por casamento e filhos se alia a desaceleração demográfica e econômica em cenário de esgotamento

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"Em um país de um bilhão de pessoas, ser bom não basta. Eu preciso ser a melhor." Foi assim que uma colega de sala chinesa me respondeu quando certa vez questionei a necessidade de ela passar tantas horas acordada de madrugada estudando para testes que não eram realmente importantes. A frase nunca saiu da minha cabeça e sumariza o que vejo entre meus amigos de lá —estão exaustos, mas não podem se dar ao luxo de serem "apenas bons".

As pessoas a quem me refiro não se enquadram no estereótipo de operários fabris ganhando alguns poucos trocados por hora. São jovens estudantes em universidades de excelência na China, costumeiramente os mais brilhantes de suas turmas durante o ensino básico, gente que cresceu acreditando que o futuro seria incrível e que suas capacidades os levariam longe. Não vai ser assim para uma parte considerável deles.

Jovens chineses usam seus celulares enquanto descansam em um parque em Pequim - Wang Zhao - 7.nov.13/AFP

É verdade que a culpa recai em parte na economia em aparente desaceleração. Como um dos critérios para avaliar a excelência de uma universidade é seu grau de empregabilidade, há instituições incentivando seus estudantes a atrasarem a formatura até que consigam um emprego. O status de recém-formado também era essencial para empregos mais juniores em empresas chinesas, mas os anos de Covid zero fragilizaram o mercado, que têm preferido contratar gente com experiência.

O resultado se refletiu na taxa de desemprego para aqueles entre 16 e 24 anos: 21,3% nas áreas urbanas em agosto —uma estatística tão ruim que fez o Escritório Nacional de Estatística da China (equivalente chinês ao IBGE) decidir que não vai mais liberar os números até que a metodologia para aferição seja "melhorada e otimizada". A resposta governamental não oferece alento: em junho, Xi Jinping instou estes jovens qualificados e acostumados à vida urbana a "engolirem a amargura" e abandonarem a noção de que estão acima do trabalho manual ou no campo.

Mas esta é só a ponta mais aparente do iceberg. Mesmo os afortunados empregados em boas funções se veem às voltas com dilemas difíceis. A cultura chinesa diz que as pessoas devem se casar cedo (especialmente as mulheres que, solteiras após os 30, são pejorativamente classificadas de shèngnǚ 剩女, ou "mulheres-sobras").

O casamento, porém, implica em preocupações imediatas, já que famílias só concedem a bênção quando os noivos já têm emprego estável, bom salário, casa própria e, preferencialmente, carro. Não bastasse o crescente custo de vida em metrópoles como Xangai, Pequim e Chongqing, esses jovens também precisam se preocupar com os pais, que envelhecem e vivem mais, sem que os planos de aposentadoria tenham acompanhado a inversão na pirâmide etária. Não é raro que precisem sustentá-los.

Há também uma pressão social crescente para que jovens casais tenham não um, mas dois ou três filhos —o que soa como ironia em um país que há menos de uma década ainda impunha uma política de filho único com esterilizações e abortos forçados. Garantir oportunidades mínimas a essas crianças implica em gastos altos com educação, o que o governo respondeu proibindo aulas particulares.

Nesta semana me deparei com uma nova gíria sendo usada nas redes chinesas: nèijuǎn 内卷. Seu significado original seria algo como "involução", mas a tradução para o português nesse contexto não é tão simples. Pedi ajuda a uma ex-colega de mestrado na Universidade de Pequim para entender. Reproduzo o que ela me disse na íntegra: "é a sensação de esgotamento mental depois de anos seguindo as regras do sucesso e se esforçando mais e mais para ter o mínimo. É exatamente como me sinto no momento."

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