Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Milei muda tom contra a China após receber cartinha de Xi Jinping

Argentino usa texto para posar de prestigiado por Pequim, mas talvez isso ajude ao menos a acalmar os ânimos

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Bastou uma cartinha assinada por Xi Jinping para Javier Milei, o histriônico presidente eleito da Argentina, começar a reverter o tom usado ao longo de toda a campanha eleitoral contra a China.

Milei passou os últimos meses se escorando na já conhecida narrativa anticomunista para consolidar a imagem de líder libertário. Em entrevistas, disse que romperia relações com Pequim em favor "do lado civilizado da vida". Acusou o Partido Comunista de matar quem "não faz o que eles querem" e, fontes me contam, recusou várias tentativas de aproximação com interlocutores chineses.

Javier Milei, presidente eleito da Argentina, fala a apoiadores após vencer a eleição
Javier Milei, presidente eleito da Argentina, fala a apoiadores após vencer a eleição - Luis Robayo - 19.nov.23/AFP

Tudo isso pareceu ter desaparecido com as congratulações de Xi. No texto, o líder chinês parabeniza o colega pela eleição e destaca a importância das relações. O tom é protocolar, e Milei respondeu pelo X, agradecido pela mensagem e expressando "os sinceros desejos de bem-estar ao povo chinês."

O documento, claro, não foi o suficiente para o reposicionamento de rota. O argentino tem pose de doido, mas delírios ultraliberais à parte, entende bem que a Argentina não pode sobreviver sem a China.

Não há um único dólar nas reservas internacionais do país, o que impede Buenos Aires de cumprir com suas obrigações com credores. Para interromper a sangria, o Banco Central tem recorrido a sucessivos contratos de swaps cambiais em renminbi, transferindo os valores diretamente para o FMI.

Ninguém sabe que concessões o governo peronista de Alberto Fernández e seu ministro da Economia, o candidato derrotado Sergio Massa, fizeram para assegurar tal benesse. Os contratos são confidenciais, o que não é muito diferente dos arranjos semelhantes da China com outros países, mas o suficiente para atiçar a oposição.

Somam-se a este fator, os vários e cruciais projetos de infraestrutura que a economia de lá tanto precisa para avançar —e cujos investimentos só a China está disposta a fazer, dado o acentuado risco de calote tão costumeiro na história recente do país.

Buenos Aires e Pequim estavam em negociações avançadas para a construção de Atucha III, uma nova usina nuclear que seria instalada a 100 quilômetros de Buenos Aires. O governador da província da Terra do Fogo, Gustavo Melella, também já tinha assinado um memorando de entendimento para levantar do zero um megaporto em Rio Grande em parceria com a estatal chinesa Shaanxi Chemical Industry Group.

Milei vai descartar tudo isso? Dificilmente. E se tentar, seu padrinho político está pronto para derrubá-lo. Mauricio Macri, ex-presidente argentino, fez alertas claros ao pupilo sobre os riscos que a retórica anti-China poderiam trazer para o Estado e também para empresários locais.

Entre outros pontos, sua bênção e apoio no segundo turno estariam vinculados a uma revisão da narrativa (que, coincidência ou não, passou de "romper laços com a China" para "rever termos de contratos assinados", nas palavras da potencial chanceler Diana Mondino). Milei pode até escolher ignorar o compromisso, mas neste caso, seu governo acaba antes de começar, dada a magra base que conseguiu eleger no Congresso —8 dos 72 senadores e 39 dos 257 deputados.

Javier Vadell, sinólogo argentino e professor da PUC Minas, fez uma piada no X dizendo que a carta de Xi teria a mesma cordialidade e tom ainda que tivesse sido o Pato Donald a ser eleito presidente. Ele está correto, mas que bom que Milei tenha usado o texto como desculpa para posar de prestigiado por Pequim para sua base. Talvez ajude a acalmar os ânimos e caminhar em direção ao pragmatismo que a economia dos hermanos tanto precisa.

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