Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Xi Jinping deixou clara sua intenção de instrumentalizar mulheres na China

Falas e políticas do dirigente contrastam radicalmente com o papel feminino na fundação do Partido Comunista

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Na coluna desta semana, quero convidar o leitor a fazer um exercício. Procure no Google as fotos do Congresso Nacional da Mulher, realizado em Pequim na semana passada. Atente-se a quem senta nas fileiras da frente e quem está no plano de fundo. Depois, busque pela lista dos oficiais chineses elevados aos principais órgãos decisórios do país, como o Conselho de Estado e o Politburo. Os olhos treinados notarão algo em comum: não há uma única mulher em nenhum dos exemplos.

Líderes do Partido Comunista Chinês, com o dirigente Xi Jinping ao centro, durante Congresso Nacional das Mulheres, em Pequim - Yao Dawei - 23.out.23/Xinhua

Insistir nesse ponto pode parecer coisa da tal cultura "woke" que reacionários adoram criticar, mas tem uma importância mais que simbólica. São esses homens engravatados a discutir qual papel caberá à mulher na sociedade chinesa de hoje. E os reflexos disso vão além da simples bandeira da diversidade.

Tome como exemplo a fala de Xi Jinping durante este mesmo congresso. Segundo a Xinhua, a agência oficial do governo (e usualmente a única autorizada a reportar estes discursos), o líder chinês exortou que as mulheres trabalhassem pela "harmonia familiar e social, desenvolvimento e progresso nacional". Ele clamou por uma "nova cultura de casamento e procriação", por reorientar jovens na forma como pensam temas como "casamento, parto e família".

É um recado direto do que se espera das mulheres e contrasta radicalmente com o papel que elas ocuparam na fundação do Partido Comunista. As mulheres chinesas estiveram na linha de frente do Movimento de Quatro de Maio de 1919. Queriam o fim da ocupação estrangeira na China, mas também a instauração de um novo sistema político que prezasse pelas suas pautas.

Foram às ruas pedindo o fim dos casamentos arranjados, da dolorosa prática de atar os pés (um padrão de beleza da China manchu que deformou os pés de milhares de jovens). Pediam participação no mercado de trabalho, o direito ao divórcio e a propriedade compartilhada de bens, antes restrita aos maridos.

Essas mesmas mulheres foram cooptadas pelos revolucionários do Partido e serviam bem ao propósito de propagandear o objetivo de uma China que funcionaria melhor sob os auspícios do comunismo. Ao fim da guerra civil em 1949 e com a chegada de Mao ao poder, elas até conquistaram alguns poucos avanços, mas foram silenciadas quando começaram a "pedir demais". Como assim queriam representação igual na mesa decisória do Partido? E que história é essa de ocupar postos de gerência em empresas do Estado?

As mulheres feministas dos anos áureos de agitação política foram, aos poucos, destituídas dos seus cargos e então relegadas ao ostracismo. Durante a Revolução Cultural, seus problemas passaram a ser considerados pensamento subversivo. O resultado é que, ao reabrir para o mundo em 1978, o movimento feminista não conseguiu formar uma nova geração.

A Federação das Mulheres de Toda a China, fundada pela feminista Cai Chang, filha de uma mãe que ousou se separar do pai e proeminente ativista pelo fim dos casamentos arranjados, foi cooptada pelo Partido e seus rumos passaram a ser definidos por homens. Seguiram-se políticas brutais, como a do filho único, que por anos forçou milhões de chinesas a abortos e esterilizações forçadas.

Quando pede por uma nova cultura de casamento, por um novo entendimento do significado do parto, ou advoga pelo papel da mulher, Xi deixa claro sua intenção de instrumentalizar a participação feminina na política nacional.

Elas podem não ser o suficiente para ocupar postos de liderança, mas serão essenciais para reverter a perigosa crise demográfica chinesa, com uma população que envelhece e encolhe. Os meios para isso podem vir por meio de incentivos, como muitas províncias têm feito ao oferecer benesses fiscais e subsídios a quem tem mais de um filho, ou por meio de força.

Desde a implementação do Código Civil em 2021, divorciar-se na China é um processo burocrático, longo e doloroso. Pipocaram por toda a parte as notícias de feminicídio, por mulheres que tentavam se divorciar de maridos agressivos, mas eram impedidas por oficiais locais. Agora, há quem espere uma reversão em direitos históricos, como ao aborto seguro. Aos olhos de Xi e cia., tudo em nome da "harmonia".

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