Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Hong Kong quer promulgar nova lei de segurança nacional com texto vago e ameaçador

Governo amplia escopo da repressão, com disposições que podem colocar fim no que sobrou da sociedade civil pós-2019

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Terminou nesta semana o período de consultas públicas acerca do artigo 23, uma perigosa adição às já controversas legislações que regulam tópicos de segurança nacional em Hong Kong e que ameaçam jogar as liberdades civis da região especial chinesa em um limbo ainda mais profundo.

O artigo 23 é parte da Lei Básica de Hong Kong, uma espécie de Constituição promulgada após a transferência de soberania da cidade do domínio colonial britânico para a China em 1997. Seu texto obriga Hong Kong a promulgar leis para proibir atos que "colocassem em perigo a segurança nacional".

O líder de Hong Kong, John Lee, durante entrevista coletiva na sede do governo local
O líder de Hong Kong, John Lee, durante entrevista coletiva na sede do governo local - Peter Parks - 30.jan.2024/AFP

A primeira tentativa de introduzir essas leis em 2003 fracassou diante de protestos generalizados. À época, a população se opôs fortemente ao projeto, temendo que ela pudesse ser usada para restringir as liberdades civis e os direitos humanos. Agora, o governo local deu indicativos de que vai prosseguir com a regulamentação, independentemente das críticas crescentes.

O texto apresentado para consultas públicas traz conceitos amplos e vagos acerca do que é considerado uma ameaça à segurança nacional. Em nove capítulos e mais de cem páginas, o governo honconguês detalha uma expansão significativa das ferramentas de repressão legal, com novas disposições penais que podem colocar fim no que sobrou da sociedade civil pós-protestos de 2019 —e sua subsequente repressão.

Um exemplo está no capítulo cinco do documento divulgado. O texto propõe expandir a categorização de quais documentos e informações são confidenciais, além de ampliar o escopo legal do que é espionagem. Vago, o texto se inspira na Lei de Salvaguarda dos Segredos de Estado da China continental, tradicionalmente usada para embasar o encarceramento de qualquer pessoa que vaze documentos ou informações constrangedoras à liderança nacional.

Trata-se de um dispositivo que despertou considerável ansiedade entre jornalistas e meios de comunicação estrangeiros sediados na cidade, que tradicionalmente abrigou a imprensa interessada em cobrir a China, mas sem se submeter à dura censura característica do país asiático. Ao abrigo da nova lei proposta, qualquer um que publicar informações governamentais sobre uma série de tópicos, incluindo discussões internas de política econômica, poderá ser processado criminalmente.

Não está claro se empresas jornalísticas poderiam ser implicadas no crime de espionagem se decidissem publicar documentos sigilosos. Se seguir o exemplo da pátria-mãe, as penas em Hong Kong para o crime podem ir de 5 a 10 anos de prisão para ofensas menos graves e até a prisão perpétua.

O documento cria o crime de "interferência externa", cuja interpretação tem potencial para implicar qualquer ativista que pressione governos ocidentais e organismos da ONU acerca de assuntos relativos a Hong Kong. E por qualquer um, quero dizer qualquer um mesmo, já que as propostas sob o Artigo 23 são extraterritoriais —ou seja, implicam em teoria eu ou qualquer cidadão no mundo, independente de residirem ou não na cidade.

As reações à proposta têm sido fortes. O Departamento de Estado dos Estados Unidos expressou preocupação com as implicações da legislação para cidadãos, investimentos e empresas dos EUA que operam na região. A Anistia Internacional afirmou que este é potencialmente "o momento mais perigoso para os direitos humanos em Hong Kong desde a introdução da Lei de Segurança Nacional", promulgada em 2020 como resposta aos protestos que varreram a cidade e a deixaram à beira do caos.

Quando Hong Kong voltou à soberania chinesa sob a condição de manter seu estilo político e econômico por 50 anos, a esperança geral era de que a vida na China continental se aproximasse cada vez mais da ex-colônia britânica. Pós-2019, é seguro dizer que o contrário aconteceu. A regulamentação do artigo 23 deve ser, assim, mais um passo rumo ao modelo chinês, ainda que isso custe à cidade o status de hub global que manteve por tantos anos.

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