Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu tiktok

Banimento do TikTok arrasa percepção de que a internet é território livre

Vitória de curto prazo para Washington altera conceitos basilares que os americanos tentaram vender durante décadas

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Depois de semanas afastado deste espaço, pretendia que minha primeira coluna após retornar discutisse minha recente viagem a Hong Kong, Macau, Taiwan e as percepções da China continental nestes três lugares.

Mas como frequentemente acontecesse no jornalismo, o ciclo noticioso nem sempre obedece a planejamentos, e os últimos dias pedem uma discussão mais aprofundada: o potencial banimento do TikTok.

Leitores mais atentos ao noticiário sabem que este não é um tema novo. De fato, o governo Trump tentou seguir com algo muito parecido, passando uma ordem que obrigaria o popular aplicativo chinês a vender suas operações americanas a terceiros ou arriscar um banimento.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em evento em Nova York
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em evento em Nova York - Andre Caballero-Reynolds - 25.abr.24/AFP

À época, a ByteDance —empresa que controla o TikTok— conseguiu vitórias judiciais, com magistrados concordando com o argumento de que Trump não tinha justificado os motivos por trás da decisão. Houve também quem dissesse que banir seria um atentado à Primeira Emenda da Constituição, que protege a liberdade de expressão. As coisas não devem ser tão simples dessa vez.

Primeiramente, a ordem agora não vem da caneta presidencial, e sim do Congresso. Há consenso bipartidário nos Estados Unidos de que a rede social representa um risco à segurança nacional, argumento que pode superar nas cortes a suposição de violação constitucional.

Segundo, o TikTok não tem realmente ajudado a sua causa com o envolvimento em uma série de controvérsias desde que Trump deixou a Presidência.

A mais grave delas remonta ao fim de 2022, quando a empresa admitiu ter espionado jornalistas americanos que escreviam sobre a rede de forma crítica. A própria ByteDance admitiu que funcionários da empresa nos EUA e na China usaram o aplicativo para rastrear o deslocamento desses repórteres, valendo-se do endereço de IP para verificar se eles estavam se encontrando com funcionários do TikTok.

O monitoramento —ilegal, claro— enfraqueceu a narrativa de que, por armazenar dados de usuários estrangeiros em servidores distintos dos que arquivam informações dos chineses, seria impossível para a empresa cedê-los a Pequim. Os funcionários envolvidos foram demitidos, a ByteDance pediu desculpas, mas a mancha ficou.

Depois, enquanto se discutia na Câmara um projeto de lei acerca de um novo banimento, a rede inseriu pop-ups chamando americanos à ação e incentivando-os a pressionar seus congressistas contra a medida. O projeto foi cunhado pelo Comitê Especial sobre o Partido Comunista, grupo bipartidário liderado então pelo republicano Mike Gallagher.

E para convencer deputados, agentes de inteligência realizaram briefings a porta fechadas que supostamente provaram como o regime chinês poderia usar o TikTok para influenciar a agenda política americana.

Não ajudou que, para barrar a ideia, o TikTok tenha feito exatamente isso: tentar influenciar uma votação entre deputados.

A proibição agora veio como jabuti do pacote de ajuda para Israel, Taiwan e Ucrânia. Se o Senado se recusava a colocar em trâmite o projeto dos colegas da Câmara, agora foi forçado a aprovar a medida. E os resultados não serão pequenos.

Ciente da popularidade da rede, políticos americanos têm se apressado para negar que estejam falando em proibição, que basta ao TikTok vender suas operações a uma empresa confiável e está tudo certo. Mas não será este o caso agora.

Desde a primeira tentativa de proibição, a China aprovou regulamentos que impedem a exportação do algoritmo do TikTok. Sem isso, o aplicativo é só uma marca. Valiosa, sem dúvidas, mas sem o tempero que fez dele uma das mais bem-sucedidas empresas do mundo.

Pelas condições atuais, é provável que a ByteDance seja de fato forçada a encerrar operações nos EUA em 2025, quando expira o prazo para a venda. Pode ser uma vitória de curto prazo para Washington, mas altera conceitos basilares da internet que os americanos tentaram vender durante décadas.

A percepção de que a internet é território livre sai arrasada. Americanos, que durante tanto tempo reclamaram da censura chinesa a redes como Facebook, Twitter e Instagram, serão forçados a olhar para o próprio umbigo antes de apontarem o dedo a Pequim outra vez.

Talvez, conforme as divisões entre os dois países se aprofundam, o futuro digital se aproxime muito mais de empresas e serviços sob duas esferas de influência que da aldeia global que os visionários da internet sonharam um dia.

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