Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Custo político de expulsar membros do PC Chinês é cada vez mais alto para Xi

Caso em torno de ministro da Defesa, que teve sumiço e agora é suspeito de corrupção, é derrota para líder da China

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Ao ser reconduzido para um terceiro mandato inédito no início do ano passado, Xi Jinping fez uma escolha calculada. Havia muito que o líder chinês demonstrava aberta inquietação com os movimentos de Washington em apoio a Taiwan e, ato contínuo à visita da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, a Taipé, mandou cortar qualquer tipo de diálogo militar com os americanos. Foi nesta toada que decidiu fazer de Li Shangfu seu ministro da Defesa.

Antes da promoção, Li foi o principal militar nas tratativas com os russos para transferência de tecnologia dos caças Su-35 e mísseis S-400. As negociações foram conduzidas pela Rosoboronexport, entidade incluída na lista proibida dos EUA por enviar armas ao Irã e Coreia do Norte. Pelo seu papel, Li foi alvo de sanções impostas pelo Departamento de Tesouro americano em 2018, o que virtualmente tornava qualquer engajamento com ele enquanto ministro algo muito limitado.

Por meses, Pequim mandou recados de que só aceitaria reestabelecer o diálogo militar com os Estados Unidos se as sanções fossem removidas. Joe Biden chegou a cogitar fazê-lo, mas ele nem sequer teve tempo —o militar sumiu em agosto do ano passado e em outubro, foi removido da maioria das suas posições. Foi o segundo desaparecimento de um alto oficial chinês em 2023 (o primeiro foi o chanceler Qin Gang, cujo paradeiro até hoje é desconhecido) e deixou homólogos estrangeiros temerosos quanto a uma possível crise no poder chinês por trás das cortinas.

O então ministro da Defesa, Li Shangfu, durante evento em Singapura - Roslan Rahman - 4.jun.23/AFP/AFP

O sumiço de Li Shangfu, porém, foi acompanhado de uma série de indicativos de que o caso parecia estar ligado a possíveis esquemas de corrupção. Aconteceu no mesmo momento em que quase toda a liderança da força de foguetes da China também foi trocada, com o porta-voz do Ministério da Defesa citando "retidão moral" e "questões de transparência" sempre que era questionado sobre o tema.

Nesta semana, tivemos a confirmação de que era mesmo o caso: Li foi expulso do partido, assim como seu antecessor (e ex-líder da mesma Força de Foguetes), Wei Fenghe. Ambos foram implicados em "graves violações da disciplina partidária e da lei", segundo a agência oficial Xinhua, que adicionou que Li é acusado de receber dinheiro para fins particulares e que o caso foi encaminhado a promotores militares, um indicativo de que ele pode ser condenado à prisão perpétua.

Como foi o caso quando sumiu, a confirmação de que o ex-ministro estava formalmente sob suspeita de cometer crimes fez surgir entre analistas toda sorte de análises equivocadas. Na imprensa estrangeira, correu uma versão esquisita de que ele poderia estar implicado em concessões ilegais aos militares dos EUA. Isso não faz o menor sentido e explico o porquê.

O cargo de ministro da Defesa da China é muito mais performático que real. O controle sobre as Forças Armadas recai sob o presidente da Comissão Militar Central (CMC), um dos postos acumulados por Xi Jinping, o que faz do líder chinês o comandante de fato do Exército da Libertação Popular. O ministro não gere tropas, não tem autonomia para tomar decisões estratégicas ou para mexer no orçamento. Esta, inclusive, sempre foi uma questão de vários ministros da Defesa estrangeiros nos diálogos com a China —o incômodo de que, ao falar com o ministro, tratavam com um porta-voz, não com um homólogo.

O próprio Li tinha também um cargo na CMC, mas lá era apenas o quarto na linha de importância. Acima dele estavam o próprio Xi e os vice-presidentes do órgão, Zhang Youxia e He Weidong. É altamente improvável que o general destituído tenha lucrado com qualquer tipo de concessão a estrangeiros, embora isso não signifique que não possa ter recebido algo por fora ao negociar contratos de defesa ou fazendo lobby em nome de empresas privadas.

Argumento, então, que as causas neste caso importam menos do que o simbolismo. Remover membros tão altos na hierarquia do Partido Comunista é algo comum desde a ascensão de Xi e sua campanha anticorrupção, mas conforme ele concentra poder, o custo político de fazê-lo torna-se cada vez mais alto.

Sob Xi, facções no partido desapareceram, e a disputa interna passou a ser menos calcada nas diferenças ideológicas e mais na demonstração de lealdade ao líder. Ao jogar quadros tradicionais no ostracismo em favor dos seus, Xi também assumiu responsabilidade pessoal pelas escolhas que fez em áreas tão sensíveis como relações exteriores e defesa.

Assumir que Li Shangfu provavelmente é corrupto é uma derrota do líder chinês. O caso certamente será usado pela máquina de propaganda como exemplo de como a agenda anticorrupção segue viva, mas também demonstra uma falha de julgamento ímpar em um momento político no qual tornou-se muito difícil corrigir erros e contradizer a liderança.

Ao dobrar a aposta para fazer frente aos EUA, o efeito colateral da decisão da escolha por Li pode ter feito uma vítima inesperada: a noção de magnanimidade de Xi.

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