Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Igor Patrick
Descrição de chapéu China

Universidades da China tropeçam para atrair estudantes estrangeiros

Ataque a cidadãos americanos aumenta sensação de que país asiático não é seguro, mas essa não é a historia toda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quatro americanos instrutores da Cornell College, em Iowa, caminhavam pela cidade chinesa de Jilin quando foram esfaqueados por um homem de 55 anos. Detalhes sobre o ocorrido são nebulosos —a polícia diz que um deles teve um desentendimento com o suspeito e foram atacados em seguida, mas detalhes sobre o caso foram censurados pela mídia, e o vídeo mostrando as vítimas ensanguentadas no chão desapareceram do Weibo e do WeChat.

É claro que o assunto foi destaque na imprensa americana ao longo de toda a semana. Um ataque a cidadãos dos Estados Unidos na China já seria um prato cheio para quem vê o país asiático como o resumo do mal universal, mas preocuparam também as autoridades chinesas dado o fato de serem acadêmicos. Por quê?

Para entender, é necessário retornar aos compromissos assumidos por Xi Jinping na visita a San Francisco no ano passado para a cúpula da Apec. No encontro com Biden, o líder chinês fez incontáveis referências ao tempo em que ele próprio morou em Iowa e por lá fez amizades que valoriza até hoje. Ato contínuo, anunciou o plano de convidar 50 mil jovens americanos a estudarem na China, parte da sua política de "relações interpessoais" necessárias para evitar um conflito entre os dois países no futuro.

O plano ambicioso nunca saiu totalmente do papel. Com exceção de alguns poucos secundaristas de Iowa que viajaram em fevereiro, poucos se animaram a atender ao chamado de Xi. De fato, o número total de americanos estudando na China continuou baixíssimo (logo após a reabertura do país em 2023, estimavam-se 650 em comparação com mais de 15 mil em 2014).

Estudantes em sala de aula da Universidade Wenzhou-Ken, em Wenzhou, na China
Estudantes em sala de aula da Universidade Wenzhou-Ken, em Wenzhou, na China - Huang Zongzhi/13.jun.2024/Xinhua

A embaixada chinesa em Washington mais de uma vez relatou a dificuldade em seguir com o projeto, dado que o Departamento de Estado considera a China um país de risco 3 em uma escala que vai até 4 e recomenda que americanos pensem duas vezes antes de viajar para lá. Isso dificulta o estabelecimento formal de convênios acadêmicos e preocupa os pais.

Um ataque violento com americanos só aumenta a percepção. Não foram poucas as publicações de alarmistas americanos usando o caso em Jilin como motivo para dizer que a China não é segura para quem vai para lá estudar.

É uma grande besteira e uma hipocrisia, já que a onda xenofóbica anti-China é proporcionalmente muito maior nos Estados Unidos e já provocou mortes desde o início da pandemia. Mais ainda, os baixos números de estrangeiros estudando na China não têm (quase) nada a ver com riscos à integridade física.

De fato, o problema nem sequer é apenas entre americanos. O número de intercambistas sul-coreanos na China, por exemplo, caiu 78% em 2023 comparados com 2017. Quedas semelhantes também foram vistas na Europa, na Austrália e no Japão (este último uma surpresa, já que nos últimos anos vinha sofrendo uma fuga de cérebros, com cientistas abandonando seus postos em busca de posições melhores na China).

Essas pessoas não temem serem mortas na China pela sua nacionalidade. O que elas fazem é um cálculo do custo e do benefício que um diploma chinês para suas carreiras. Conforme se isola do resto do mundo, Pequim deixa cada vez menos óbvio para pessoas comuns quais são os benefícios de se formar por lá.

A propaganda ocidental também amplia outros problemas. Há também quem evite universidades chinesas temendo a falta de liberdade acadêmica, possíveis implicações legais relativas a pesquisas com temas sensíveis, o crescente nacionalismo entre professores e estudantes e a óbvia barreira linguística.

O acesso ao mercado de trabalho chinês, antes quase garantido a estrangeiros que se graduavam por lá, também não é mais uma certeza, num cenário de alto desemprego e salários menores para jovens com educação formal mesmo entre os locais.

Isso é um problema para instituições chinesas de ponta que há anos lutam para chegar ao top 10 nos rankings de melhores do mundo, já que o número de estudantes estrangeiros costuma ser um dos poucos índices em que universidades de ponta como a Tsinghua e a Universidade de Pequim pontuam mal.

Orgulhosamente me formei em ambas as instituições e sei a diferença que o conhecimento absorvido em ambas representou para minha trajetória profissional e pessoal. Por lá fiz amigos para a vida toda e memórias que permanecerão comigo para sempre. Não há soluções fáceis à vista, e seria bom que a tendência seja revista o mais rápido possível.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.