Na ainda inconclusa convulsão de 2018, herdeira mas não parente de sangue daquela de 2013, não surpreende tanto que haja um coro ignorante a pedir algo que chamam de intervenção militar. Essa franja da sociedade saiu do armário após aquele junho há cinco anos e integrou-se à fauna nativa alegremente.
Desalentador mesmo é que, dado o grau de confiança depositada nelas, autoridades tenham de vir a público repetir que o risco inexiste de tempos em tempos em pleno 2018.
Só nesta terça (29) tivemos o mandatário máximo da nação, Michel Temer (MDB), e o responsável pela fusão de dados de inteligência, general Sérgio Etchegoyen, a negar a possibilidade. O presidente e o ministro que deveriam ter se preparado para a crise, creio que seja autoexplicativo.
A grita é imoral e ilegal, a começar porque inexiste a tal intervenção militar constitucional nos termos que manifestantes de WhatsApp e da boleia colocam. O que há é, regulado na Carta e por lei complementar, são parâmetros para que os militares restaurem a ordem em casos extremos.
Planos de contingência para a eventualidade de uma intervenção repousam nos gabinetes de Estado-Maior do país, é parte da vida militar planejar-se para o pior. Fazem o caminho de uma guerra ao contrário: tenta-se proteger e ocupar o que for mais estratégico, como refinarias, portos, aeroportos, rodovias centrais, centros de comunicação. Só que sob o comando de um civil com faixa de presidente no peito, nunca contra ele.
O resto é pedido de golpe por pessoas que seriam a primeira vítima em tal hipótese. Por sorte, ela é usualmente aberrante à cadeia de comando, não menos por não estarmos em 1964 e o poder militar ser algo relativo. Até mesmo os mais desbocados egressos do Alto Comando e viúvas claras de outros tempos, como o agora general da reserva Antônio Hamilton Mourão, foram a público desautorizar o mote.
O presidenciável mais associado ao movimento, Jair Bolsonaro (PSL), abandonou o figurino radical antes que a corda que viu esticar estourasse. A turba de políticos e inocentes úteis que usou a hashtag #somostodoscaminhoneiros volta ao leito da razão, se não pela própria, então pelo cheiro de queimado no ar.
A excitação atingiu alguns estratos inferiores e médios das corporações militares. Não, ninguém subiu armado em caminhão e marchou sobre Brasília. Mas o fedor da indisciplina foi sentido em vários cantos do país ao longo do fim de semana. O governo tremeu pelo clima anárquico.
Ao longo desta terça, houve um refluxo nesse ânimo, que poderá enfrentar a irresponsabilidade agora à esquerda personificada na chamada de greve de petroleiros. Caso a paralisação política da CUT petista pegue, não há motivos imediatos para esperar a volta do clima pós-apocalíptico dos últimos dias, já que as distribuidoras estão com estoques cheios à espera de caminhões que lentamente voltam ao serviço.
A questão de fundo é outra. Como já escrito nesse espaço, o Brasil namora o niilismo decorrente do esgarçamento de sua tessitura institucional, organizada pelo regime da Constituição de 1988. Isso acabou por motivos estruturais, como a inviabilidade fiscal da Federação, e pelo lancetamento dos desmandos público-privados pela Lava Jato. Ocupamos uma espécie de interregno sombrio, pulando a cada latido que ouvimos.
O ex-governo Temer, ele mesmo substituto de um outro ex-governo, só tem como ativo o fato de que estamos a poucos meses da eleição, inviabilizando na prática sua saída dentro das regras. Como enfrentará a porteira aberta a novas demandas pelos caminhoneiros, isso é um incômodo mistério, só suplantado pela incerteza à frente.
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