Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow
Descrição de chapéu greve dos caminhoneiros

Ignorante, coro por intervenção militar escancara implosão dos políticos

Risco de golpe na conjuntura atual soa desprezível, mas país faz travessia por um limbo sombrio

Na ainda inconclusa convulsão de 2018, herdeira mas não parente de sangue daquela de 2013, não surpreende tanto que haja um coro ignorante a pedir algo que chamam de intervenção militar. Essa franja da sociedade saiu do armário após aquele junho há cinco anos e integrou-se à fauna nativa alegremente.

Desalentador mesmo é que, dado o grau de confiança depositada nelas, autoridades tenham de vir a público repetir que o risco inexiste de tempos em tempos em pleno 2018.

Tropas do Exército escoltam caminhões-tanque para abastecer o aeroporto de Brasília
Tropas do Exército escoltam caminhões-tanque para abastecer o aeroporto de Brasília - Pedro Ladeira - 28.mai.2018/Folhapress

Só nesta terça (29) tivemos o mandatário máximo da nação, Michel Temer (MDB), e o responsável pela fusão de dados de inteligência, general Sérgio Etchegoyen, a negar a possibilidade. O presidente e o ministro que deveriam ter se preparado para a crise, creio que seja autoexplicativo.

A grita é imoral e ilegal, a começar porque inexiste a tal intervenção militar constitucional nos termos que manifestantes de WhatsApp e da boleia colocam. O que há é, regulado na Carta e por lei complementar, são parâmetros para que os militares restaurem a ordem em casos extremos.

Planos de contingência para a eventualidade de uma intervenção repousam nos gabinetes de Estado-Maior do país, é parte da vida militar planejar-se para o pior. Fazem o caminho de uma guerra ao contrário: tenta-se proteger e ocupar o que for mais estratégico, como refinarias, portos, aeroportos, rodovias centrais, centros de comunicação. Só que sob o comando de um civil com faixa de presidente no peito, nunca contra ele.

O resto é pedido de golpe por pessoas que seriam a primeira vítima em tal hipótese. Por sorte, ela é usualmente aberrante à cadeia de comando, não menos por não estarmos em 1964 e o poder militar ser algo relativo. Até mesmo os mais desbocados egressos do Alto Comando e viúvas claras de outros tempos, como o agora general da reserva Antônio Hamilton Mourão, foram a público desautorizar o mote.

O presidenciável mais associado ao movimento, Jair Bolsonaro (PSL), abandonou o figurino radical antes que a corda que viu esticar estourasse. A turba de políticos e inocentes úteis que usou a hashtag #somostodoscaminhoneiros volta ao leito da razão, se não pela própria, então pelo cheiro de queimado no ar.

A excitação atingiu alguns estratos inferiores e médios das corporações militares. Não, ninguém subiu armado em caminhão e marchou sobre Brasília. Mas o fedor da indisciplina foi sentido em vários cantos do país ao longo do fim de semana. O governo tremeu pelo clima anárquico.

Ao longo desta terça, houve um refluxo nesse ânimo, que poderá enfrentar a irresponsabilidade agora à esquerda personificada na chamada de greve de petroleiros. Caso a paralisação política da CUT petista pegue, não há motivos imediatos para esperar a volta do clima pós-apocalíptico dos últimos dias, já que as distribuidoras estão com estoques cheios à espera de caminhões que lentamente voltam ao serviço.

A questão de fundo é outra. Como já escrito nesse espaço, o Brasil namora o niilismo decorrente do esgarçamento de sua tessitura institucional, organizada pelo regime da Constituição de 1988. Isso acabou por motivos estruturais, como a inviabilidade fiscal da Federação, e pelo lancetamento dos desmandos público-privados pela Lava Jato. Ocupamos uma espécie de interregno sombrio, pulando a cada latido que ouvimos.

O ex-governo Temer, ele mesmo substituto de um outro ex-governo, só tem como ativo o fato de que estamos a poucos meses da eleição, inviabilizando na prática sua saída dentro das regras. Como enfrentará a porteira aberta a novas demandas pelos caminhoneiros, isso é um incômodo mistério, só suplantado pela incerteza à frente.
 

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