Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

Salvem nossas crianças

Passou da hora de a indignação das favelas ser também a nossa

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Ágatha Vitória Sales Félix, presente. Jenifer Cilene Gomes, presente. Kauan, Kauan e Kauê, presentes. Vivemos em um país em que nomes de crianças saem da chamada escolar para entrar de maneira absurda na lista de mortes violentas.

Desde o início do ano, 16 meninos e meninas foram baleados na região metropolitana do Rio. Ágatha, assassinada com um tiro nas costas no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, é a quinta criança a morrer.

“Perdi minha neta. Não era pra perder. Nem eu, nem ninguém”, definiu em palavras indignadas seu avô, Airton Félix. Como sociedade, não podemos jamais admitir uma política de segurança pública que trata o fim da vida de crianças como efeito colateral.

O silêncio de governantes no dia seguinte à morte de Ágatha foi perturbador. Escancara a doença social que vivemos. Tenta-se justificar o injustificável, e vender a força bruta como salvação.

Não faltam opções de políticas públicas capazes de tornar nossa sociedade mais segura sem que direitos fundamentais sejam sucessivamente violados. Nossas autoridades estão fazendo uma escolha consciente ao justificar mortes ao invés de preservar vidas. Fique claro que essa decisão também coloca em risco a vida de policiais —pois, quanto mais matam, mais morrem. 

De janeiro a agosto, 1.249 pessoas foram mortas por agentes do Estado no Rio de Janeiro, mostram dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).

O número representa 16% a mais que no mesmo período de 2018 e ultrapassa os registros em todo o ano de 2017. Neste mesmo recorte de tempo, 14 policiais militares foram mortos, contra 21 de janeiro a agosto do ano passado.

No Brasil, 11 a cada 100 mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias em 2018, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Mais policiais foram vítimas de suicídio (104 casos) do que assassinados no horário de trabalho, expressão máxima dos impactos do culto à violência na saúde mental desses profissionais. 

E o que hoje acontece por falta de aplicação da lei corre o risco de virar lei e sacramentar de vez a política da morte. Dois projetos que dão forma às duas principais promessas de campanha do presidente —ambas antisegurança pública, diga-se de passagem— estão em discussão esta semana na Câmara dos Deputados.

O primeiro amplia a permissão para porte de armas, o que aumentará a circulação das armas legais e, consequentemente, o número de mortes por armas de fogo e o acesso às armas pelo crime.

O segundo é sobre o excludente de ilicitude, que amplia a definição de legítima defesa e pode levar à isenção de culpa e pena de policiais que matarem em situações de “conflito armado”.

Os impactos negativos dessas duas propostas afetarão a totalidade de nossa população. Mas chegarão mais rápido para a parcela da população que já vive em meio ao fogo cruzado, sem a proteção do Estado, como é o caso do Complexo do Alemão de Ágatha.

Passou da hora de a indignação de Airton Félix, das centenas de pessoas que foram às ruas no domingo no Complexo do Alemão e de todos os moradores de áreas mais vulneráveis à violação de direitos seja também a nossa indignação.

As políticas de segurança ou de insegurança pública, como é o caso das duas em questão, determinarão o futuro de nossa jovem democracia.

Se há um momento no qual a sociedade precisa se manifestar sobre o caminho a seguir, estamos diante dele.

Se deixarmos a lei ser usurpada para permitir o não cumprimento das principais garantias e deveres do Estado democrático de Direito, estaremos assinando o seu fim.

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