Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

As mulheres marcham pelo mundo

Gilead, o mundo distópico do 'Conto da Aia', de Margaret Atwood, está ali na esquina

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Em todo o mundo, as mulheres estão em marcha. Seja para garantir direitos básicos, como no Afeganistão do Talibã, seja contra um eventual retrocesso sobre o direito de interromperem uma gravidez indesejada nos Estados Unidos, ou para exigir a demarcação e proteção das terras indígenas no Brasil. Aqui, lá e acolá, no entanto, estamos assistindo, cada vez mais, à restrição de direitos conquistados a duras penas por nossas mães, avós e bisavós. Até quando?

Ao ler que seguros de saúde passaram a exigir autorização do cônjuge para mulheres implantarem o DIU em São Paulo, me vem à cabeça a vida em Gilead —o mundo distópico do “Conto da Aia”, de Margaret Atwood, onde a maioria das mulheres se torna infértil, perde direitos sociais e, quando podem engravidar, são escravizadas para procriação.

Pessoas seguram cartazes com prédio branco com cúpula redonda ao fundo
Manifestantes favoráveis ao direito ao aborto se reúnem em frente ao Capitólio, em Washington - Al Drago - 2.out.2021/Reuters

No Brasil, além de perderem direitos, as mulheres são alvo. A pandemia da Covid-19 agravou ainda mais a situação. Segundo pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública ao Datafolha, uma em cada quatro brasileiras acima de 16 anos sofreu algum tipo de violência no ano passado, resultando na taxa estarrecedora de oito mulheres agredidas por minuto no país. Sabemos que aquelas em situação de maior vulnerabilidade social estão ainda mais sujeitas à violência doméstica.

Segundo o levantamento, enquanto a taxa de feminicídio caiu 26% entre mulheres brancas, entre as negras houve um aumento de 2% nos últimos dez anos. Nessa década, 50 mil mulheres negras foram vítimas de feminicídio. As imagens da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo agredindo uma senhora e uma mulher trans servem como símbolo revoltante de como o risco de violência é maior quando as vítimas são mulheres negras ou a população LGBTQIA+.

A violência física e o feminicídio são somente a ponta de um imenso iceberg submerso de abusos rotineiros que raramente viram notícia, ou sequer são percebidos como tal, pois viraram comportamentos estruturais no Brasil. Foi o que vimos acontecer com Andressa Lustosa, que foi derrubada da bicicleta no Paraná por um homem que passava em um carro.

Há também as situações em que nossas perguntas incomodam e passamos a ser vistas como “histéricas” ou “descontroladas”, como no ataque machista do ministro Wagner Rosário contra a senadora Simone Tebet (MDB-MS), durante sessão da CPI da Covid. A reação dos demais senadores e senadoras presentes mostra que essa estrutura vem sofrendo pequenos abalos. Mas ainda é muito pouco.

O mundo virtual trouxe uma camada adicional de complexidade. São comuns as tentativas de intimidar as mulheres com ameaças e agressões sexistas nas redes sociais, como os lamentáveis ataques virtuais sofridos pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Difamações e calúnias online não são casos isolados e acontecem com muitas outras mulheres na política, na imprensa e na sociedade civil. E por vezes, falta a tão importante sororidade. O objetivo é claro: impedir que ocupemos o nosso espaço no debate público, interditando nossa voz.

Esses e muitos outros casos, assim como as estatísticas, mostram um momento de inflexão em nossa história. A pandemia colocou ainda mais peso sobre os ombros de mulheres no mundo inteiro. Para completar, essa cultura da misoginia e do machismo se fortalece com a onda populista e autoritária em diversos governos. O mundo político, empresarial, acadêmico, legislativo, judiciário, a imprensa e a sociedade civil precisam se unir, frear retrocessos e colocar em marcha os avanços tão necessários. Isso é urgente, Gilead está ali na esquina.

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