Itamar Vieira Junior

Geógrafo e escritor, autor de "Torto Arado"

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Antonio Candido defendia literatura como vital para experiência humana

Criação ficcional e poética desenvolve em nós quota de humanidade

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No ensaio "O Direito à Literatura", o sociólogo e crítico Antonio Candido disserta sobre a literatura como um direito inegável da condição humana. Para chegar a essa conclusão, ele parte de considerações sobre o que seria ou não indispensável à vida, dos bens compressíveis aos incompressíveis.

Os bens incompressíveis seriam os inegociáveis, os que asseguram a sobrevivência física e a "integridade espiritual": o alimento, a educação, a saúde, a liberdade individual, a justiça pública, a resistência à opressão e o direito à arte e à literatura.

Os bens incompressíveis correspondem às "necessidades profundas do ser humano". Para Candido, a literatura se incluiria neste escopo, mas para tanto seria necessário alargar sua concepção e não a restringir apenas à sua forma mais conhecida, a narrativa escrita.

A ampliação do conceito incluiria "todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura". Folclore, lendas, narrativas orais até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita, tudo poderia ser compreendido como parte da criação literária humana.

"João, Maria e o Pavão Azul" (1960), xilogravura de Gilvan Samico - Divulgação

Candido descreve a literatura como uma "manifestação universal de todos os homens em todos os tempos". Não há sociedade ou indivíduo que possa viver sem qualquer espécie de fabulação. Os sonhos, segundo o autor, são partes indispensáveis desse universo, e involuntariamente nos transportam à dimensão criativa da vida.

Dos sem escolarização formal aos eruditos, no dia a dia de qualquer pessoa, a criação ficcional e poética se manifesta de forma ininterrupta correspondendo a uma necessidade universal, "que precisa ser satisfeita e cuja satisfação se constitui num direito".

Sendo assim, a literatura seria "o sonho acordado das civilizações", criado a partir de perspectivas próprias a um grupo ou sociedade, considerando sempre seus sistemas de crenças e valores, seus sentimentos e suas normas. É algo muito próximo à vida e por isso "confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, fornece a possibilidade de viver dialeticamente os problemas".

Como forma da nossa expressão, a literatura manifesta emoções e visões de mundo, se elabora a partir de estruturas e significados, e por isso é uma forma de conhecimento. "Toda obra literária", escreve Candido, "é antes de mais nada uma espécie de objeto construído; e é grande o poder humanizador desta construção, enquanto construção".

A suposta organização do nosso caos interior estrutura e desestrutura ideias e mundos, e é nesse processo que reside toda força de sua expressão. "As produções literárias de todos os tipos e todos os níveis satisfazem necessidades básicas do ser humano [...] enriquecem a nossa percepção e a nossa visão de mundo".

Assim, a literatura é uma "necessidade universal imperiosa" e "fruí-la é um direito das pessoas de qualquer sociedade": do indígena "que canta suas proezas de caça ou evoca dançando a lua cheia", ao mais erudito "que procura captar com sábias redes os sentidos flutuantes de um poema hermético".

Em todas as suas formas e expressões, a literatura nos ajuda a aprofundar nossa humanidade, molda nossa personalidade, permite-nos empreender uma busca que é a busca por nós mesmos, e também "desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante".

Na hierarquia estabelecida por Candido, da obra de "qualidade alta" à obra de "menor qualidade" – hierarquia estabelecida e influenciada por epistemologias europeias—, todas atuam "formando uma massa de significados que influi em nosso conhecimento e nos nossos sentimentos".

Num mundo onde o diferente continua a ser transformado no outro destituído de sua humanidade, a literatura como direito nos devolve o exercício da alteridade, a possibilidade de alargar nossa compreensão da existência a partir da experiência desse outro.

Candido ainda expressa sua revolta contra o preconceito de classe segundo a qual "as minorias que podem participar de formas requintadas de cultura são sempre capazes de apreciá-las". Para ele, os mais pobres sentem uma "sofreguidão comovente" quando acessam bens culturais de toda ordem, e privá-los do acesso à literatura e à arte é uma forma espoliação, de privação de um direito.

E conclui seu ensaio da seguinte maneira: "Uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável".

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