Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luiz Felipe Pondé

É essencial conhecer os elementos extrarracionais que impactam a ciência

Fatores exteriores ao método científico operam como pressão sobre os profissionais em busca de sobrevivência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Existe a ciência do senso comum, a ciência praticada por profissionais no dia a dia e a ciência que é objeto da especialidade em filosofia chamada epistemologia. Esta reflete sobre o método científico, a demarcação entre ciência e não ciência, e os elementos extrarracionais que impactam a prática científica.

Epistemólogos são filósofos especializados em refletir sobre a ciência para além do que sua infantaria —pesquisadores e todo o corpo social que se dedica ao cotidiano da pesquisa e aplicação desta— é capaz de fazê-lo, inclusive porque está ocupada com a prática, o ganho financeiro da sua vida, o reconhecimento dos pares, publicação de artigos e garantia de espaços nas instituições financiadoras, que são universidades, fundações ou empresas de capital privado —a "indústria" como é conhecida.

Essa infantaria se caracteriza, às vezes, por desconhecer o que a teoria da ciência —a epistemologia— reflete ao longo das últimas décadas.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica digital vetorial, cores chapadas em tons vivos (azul turquesa, amarelo, rosa, verde folha, laranja, vermelho) As linhas grossas de contorno das imagens estão em preto. Da esquerda para à direita, na horizontal, há um tubo de ensaio com bolhas no seu conteúdo e no topo. Dentro dessas bolhas, em preto e branco, estão os logotipos do Whatsapp, Tik Tok e Intercept mais uma bolha do ícone “curtir” e outras pequenas de “coração”. Ao centro, a imagem ícone de um átomo. O núcleo está representado pelo logotipo do Twitter, circundado, no lugar dos elétrons, os logos do Youtube, SnapChat e WeChat. À direita, um tubo de ensaio com a base redonda, com líquido azul, onde estão representados como bolhas os logotipos da Instagram, Facebook e um ícone de coração. No topo deste tubo, três bolhas representadas pelo logotipo do Pinterest, LinkeIn e coração.
Ricardo Cammarota

Grande parte da epistemologia tem se dedicado a identificar o que seria o método científico. O entendimento básico é: hipóteses, experimentos, verificação ou refutação das hipóteses que se dá via redes de colaboração entrepares e instituições.

Entretanto, tem se tornado cada vez mais importante o estudo dos elementos extrarracionais ao método científico que impactam a materialidade cotidiana da ciência. Quais seriam esses elementos?

Thomas Kuhn (1922-1996) ficou famoso por introduzir no entendimento da ciência elementos exteriores ao método em si. Criador da concepção de paradigma em ciência, e sua quebra —termo que ganhou vida autônoma em palestras motivacionais no mundo empresarial e de coaching—, Kuhn entendia que na ciência não há pessoas nem instituições em busca de descobrir nada de novo, mas apenas profissionais preocupados em reforçar suas posições institucionais e teóricas. As descobertas, as anomalias, acontecem à revelia do paradigma dominante.

Paul Feyerabend (1924-1994), mais radical, afirmava que na ciência não há método algum, mas interesses institucionais, ações isoladas de leigos, vaidades, fatos aleatórios, financiamentos, brigas políticas e similares, que juntos causam o funcionamento da ciência sem nenhuma previsibilidade. Um anarquista em epistemologia.

Bruno Latour, antropólogo, chegou mesmo a propor uma etnologia de laboratório para identificar como funciona o cotidiano comportamental dos pesquisadores e os materiais através dos quais a ciência "avança", para além dos discursos idealizadores da ciência ou o marketing das marcas, entre elas as universidades.

Na prática, o senso comum considera ciência os resultados de exames, vacinas, diagnósticos, aviões, computadores, inteligência artificial, celulares, enfim, produtos da interação entre tecnologia e aplicação útil, mas não entende nada sobre a ciência de fato.

O epistemólogo Imre Lakatos (1922-1974) buscou um "meio-termo" entre o idealismo da ciência pura e o olhar atento de Kuhn e Feyerabend para os elementos extrarracionais que atuam sobre a ciência. Lakatos produziu um dos modelos mais interessantes em epistemologia, que faria muito bem à infantaria da ciência tomar conhecimento, assim como o senso comum que pensa ciência como novas descobertas a cada dia.

A ciência é composta pelo núcleo racional —o método—, um cinturão racional —as teorias científicas dependentes do método— e elementos extrarracionais tais como financiamentos, vaidades, modas teóricas, lutas por espaços institucionais, mercados e reserva de mercados, lobbies que envolvem profissionais das áreas, lutas políticas ideológicas, presença na mídia.

O cinturão racional é poroso. Essa porosidade opera como pressão sobre os profissionais em busca de sobrevivência. Não há ciência pura. Arriscaria dizer que esses elementos extrarracionais, hoje em dia, dominam muito mais o espaço de validação pública do que é ciência por parte do senso comum e dos próprios profissionais do que o núcleo racional. Quanto mais marketing e mídias sociais, menos núcleo racional.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.