Ivan Finotti

Correspondente em Madri, foi editor de Ilustrada e Folhateen e das revistas sãopaulo e Serafina. Escreve sobre cultura há três décadas.

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Descrição de chapéu mudança climática

A pena e os tomates

Talvez ativistas que jogaram sopa em Van Gogh passem a ser vistas como heroínas

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Morreu há duas semanas, aos 75, Sacheen Littlefeather (pequena pena), a ativista indígena que ficou famosa por representar Marlon Brando na cerimônia do Oscar de 1973.

Filha de nativo americano e mãe europeia, ela havia conhecido Brando e Francis Ford Coppola pouco antes, durante a produção de "O Poderoso Chefão".Brando se interessava pelo assunto —em 1970, deu para sua filha o nome Cheyenne, o mesmo de uma tribo. Nomeado ao Oscar de melhor ator pelo filme, ele mandou Littlefeather em seu lugar.

Acontece que ele venceu o prêmio e a enviada especial explicou que Brando estava recusando o Oscar em protesto pela representação estereotipada de nativos no cinema.

Littlefeather saiu do palco entre aplausos tímidos e vaias estrondosas —dizem que John Wayne teve que ser contido por seis seguranças para não arrancá-la de lá à força.

Atriz e ativista apache Sacheen Littlefeather, que representou Marlon Brando no  45º Oscar
Atriz e ativista apache Sacheen Littlefeather, que representou Marlon Brando no 45º Oscar - © AMPAS

Depois, foi ridicularizada no discurso dos atores Raquel Welch ("espero que o próximo vencedor não tenha uma causa") e Clint Eastwood ("devo dedicar esse prêmio aos caubóis que foram mortos nos filmes de John Ford?").É curioso que, por mais de quarenta anos, pouquíssima gente entendeu que o protesto de Brando e Littlefeather era legítimo, preferindo creditar o ato às idiossincrasias de um artista doidivanas.

Mas a roda gira e hoje, com a correção política e a consolidação do respeito aos direitos das minorias, Sacheen Littlefeather passou a ser vista de forma positiva. Há quatro meses, o Oscar lhe enviou um pedido de desculpas.

Dias após a morte Littlefeather na Califórnia, duas ativistas do grupo Just Stop Oil (apenas parem com o petróleo) jogaram duas latas de sopa de tomate Heinz no quadro "Os Girassóis", de Van Gogh, em um museu em Londres.

Ativistas do Just Stop Oil colam as mãos na parede na National Gallery, em Londres - 14.out.22 via REUTERS

Anna Holland, 20, e Phoebe Plummer, 21, foram severamente criticadas. Disseram que sabiam que o quadro possuía um vidro na frente e que jamais teriam praticado o vandalismo caso a pintura acabasse danificada."Reconheço que a ação foi meio ridícula. Eu concordo; é ridículo", disse Plummer, explicando que a intenção foi chamar a atenção para questões que importam.

É de se imaginar que, em um futuro não muito longínquo, em que os humanos já tenham conseguido corrigir o curso de destruição do planeta, a opinião pública sobre casos assim também possa mudar.

Talvez Holland e Plummer passem a ser vistas como heroínas à frente do seu tempo. Talvez elas até virem estátuas por terem ajudado a salvar o mundo. E se tornem mais importantes do que um quadro que vale meio bilhão de reais.

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