Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Ventos de paz no Bahrein

Plano de Kushner para Oriente Médio é pouco exequível, mas há simbolismo

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Israel integra o Oriente Médio e queremos paz com ele. A mensagem fluiu semana passada, em cenário inusual para a conturbada história do Oriente Médio, e seu autor era Khalid Bin Ahmad Al Khalifa, ministro das Relações Exteriores do Bahrein, numa entrevista, em seu país, a jornalistas israelenses.

O chanceler falou às margens do convescote "Paz para Prosperidade", realizado no reino árabe e capitaneado pelo primeiro-genro dos EUA, Jared Kushner. Se o evento mostrou propostas com chances escassas de sucesso, gerou simbolismo relevante, ao reforçar sinais de rumos para o Oriente Médio no século 21.

No Bahrein, sopraram ventos apaziguadores. Antigos "inimigos sionistas", por décadas rejeitados em solo bareinita, desembarcaram com seus passaportes, participaram da conferência e de um serviço religioso judaico, em outro importante marco simbólico.

Na crosta do evento, prevaleceu a imagem de Jared Kushner, conselheiro-mor do sogro Donald Trump, defendendo planos econômicos com o intuito de, antes de iniciar intricadas negociações políticas, apresentar eventuais dividendos financeiros de um cenário regional livre do conflito israelo-palestino.

Com a desenvoltura de experimentado palestrante, Kushner projetava no telão slides típicos de consultorias econômicas empenhadas em seduzir investidores. Representantes de países árabes ouviam atentamente.

Não havia, no entanto, enviados da liderança palestina, que boicotou a conferência. Trump, devido à intensa aliança com o israelense Binyamin Netanyahu, queimou pontes na relação com o palestino Mahmoud Abbas. ​

Jared Kushner apresenta no Bahrain seu plano para os palestinos - Bahrain News Agency/AFP

Difícil nutrir otimismo em relação ao plano de paz gestado por Kushner, cuja espinhosa parte política, descrita por Trump como "o acordo do século", ainda não foi divulgada. O que se destacou no Bahrein foi o simbolismo de israelenses e seus anfitriões reunidos em evento apontando para a gradual dissolução da origem do conflito: a rejeição árabe à existência de Israel.

Durante décadas, elites governantes do Oriente Médio se aproveitaram do conflito para construir a narrativa de que a criação de Israel correspondia "à principal tragédia do mundo árabe no século 20". A crise israelo-palestina funcionava como válvula de escape, tema monopolizador de debates em sociedades como a saudita e a síria, congeladas por modelos políticos autoritários e economias ineficientes.

A eclosão da Primavera Árabe, em 2010, com sua turbulência social, demonstrou a elites governantes médio-orientais o esgotamento do sistema "congelar a política, a economia e usar o conflito israelo-palestino como fator diversionista". Ficou evidente a necessidade de responder a demandas do século 21; por exemplo, com geração de empregos para uma população jovem e desalentada.

Além das pressões demográficas e sociais, dirigentes árabes diagnosticaram também o desafio representado, no médio e longo prazo, pela perda de relevância de sua maior riqueza, o petróleo. Hora, então, de redesenhar as estratégias de manutenção do poder.

No curto prazo, alguns países árabes finalmente se aproximam de Israel em função do inimigo comum, o Irã, dono de pretensões expansionistas. No médio prazo, percebem o Estado judeu como potencial parceiro no comércio e na tecnologia, para gerar empregos e enfrentar a diminuição futura de relevância do petróleo.

Lideranças árabes desenham caminhos para reformar sistemas econômicos e, a exemplo do Partido Comunista chinês, manter regimes autoritários. Afinal, seu interesse maior é preservar o poder, e não destruir Israel.

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