Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Polarizações no estilo Trump e Bibi

Líderes preferem a demonização de adversários à negociação

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Duas lideranças célebres por mitigar o centro do espectro político poderiam, em momentos de folga, revisar livros de história recente de seus países. Veriam exemplos interessantes de entendimento suprapartidário, em contraste com a polarização tão em voga nos dias de hoje.

O republicano Donald Trump mergulha no choque com a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados. Em Israel, Binyamin Netanyahu se prepara para nova campanha eleitoral, após fracasso na montagem de uma coalizão que resgatou, apenas em fase derradeira, oferta a oposicionistas.

A votação israelense de abril se transformou em espécie de plebiscito sobre Netanyahu, no poder desde 2009. Para seus eleitores, ele garante segurança a um país ameaçado pelo terrorismo e cercado por inimigos, lidera uma explosão de crescimento econômico e alinha crescentes alianças internacionais, inclusive com países árabes. Para seus críticos, o líder do direitista Likud precisa responder a acusações de corrupção, solapa instituições democráticas ao comportar-se como "monarca" e, com retórica inflamada, aprofunda divisões políticas e sociais na população israelense.

O premiê israelense Binyamin Netanyahu, que enfrentará novas eleições - Ronen Zvulun/Reuters

Resultados eleitorais evidenciam a polarização. O Likud elegeu 35 deputados, mesmo número do maior rival, a aliança centrista Azul e Branco. Das 120 cadeiras do Parlamento, partidos do campo ideologicamente associado a Netanyahu (direita e religiosos ortodoxos) obtiveram 65, com 55 para grupos do centro à esquerda.

A contabilidade política, inicialmente festejada por Netanyahu, não se confirmou. O partido Israel Nossa Casa, laico, recusou-se a compor com religiosos ortodoxos, reflexo de uma das tensões mais corrosivas na sociedade israelense, a opor o universo do secularismo, demograficamente majoritário, ao da religião, bastante coeso e organizado.

A polarização, portanto, contaminou também o campo ideológico favorável a Netanyahu, sabotando a repetição de alianças de um passado recente. Diante da fratura política, o premiê deu marcha à ré e procurou um rival histórico, o Partido Trabalhista, para ultrapassar o mínimo de 61 cadeiras (metade mais uma das 120) e viabilizar o novo governo.

O trabalhismo, embalado pelos ventos maniqueístas, rejeitou a oferta. Sem conseguir o almejado apoio de ao menos 61 deputados, restou a Netanyahu caminhar para novas eleições, em setembro.

Em 1984, aliança liderada pelos trabalhistas amealhou 44 cadeiras, enquanto o Likud conquistou 41. A polarização, à época, andava em níveis moderados, e Israel, para fugir do quase empate entre as forças rivais, construiu um governo de união nacional, com Shimon Peres e Yitzhak Shamir se revezando no cargo de primeiro-ministro.

Nostalgia da composição entre polos opostos também circula pelos EUA. Alguns republicanos e democratas falam em resgatar convergência ao centro político, por meio da busca de agendas comuns, para enfrentar desafios como eventual desaceleração econômica e as labirínticas relações com a China.

O "bipartisanship" aproximou presidentes e lideranças da Câmara dos Deputados. Em, 1986, foram Ronald Reagan e Thomas O´Neill; dez anos depois, Bill Clinton e Newt Gingrich. Tal cenário desponta como inimaginável entre Donald Trump e Nancy Pelosi.

O cenário contemporâneo testemunha lideranças, à esquerda e à direita, apostando na elevação das polarizações. Assim, obliteram o centro e a necessidade do diálogo. Preferem a demonização de adversários e o confronto à negociação e ao compromisso. Nesse cenário, perdem a democracia e a sociedade civil.

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