Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Mao, Kohl e suas decepções históricas

Dois líderes não reconheceriam caminhos trilhados por seus projetos na China e na Europa

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Esforços para compreender rumos desafiadores do atual momento histórico contarão, neste segundo semestre, com a colaboração de efemérides importantes, certamente pródigas em trazer análises sobre eventos cardinais do século passado. Em outubro, o Partido Comunista chinês vai celebrar sete décadas de chegada ao poder, enquanto, no mês seguinte, a queda do Muro de Berlim completará trinta anos.

E, apesar da pirotecnia a acompanhar as celebrações na Alemanha e China, contradições e desafios dos dois momentos históricos saltam aos olhos. Em outras palavras: os patriarcas Mao Tse-tung (1893-1976) e Helmut Kohl (1930-2017) provavelmente não reconheceriam caminhos trilhados por seus projetos históricos.

“A força central levando nossa causa adiante é o Partido Comunista”, discursou Mao no Parlamento chinês, em 15 de setembro de 1954. “A base teórica guiando nosso pensamento é o marxismo-leninismo”, prosseguiu o líder da revolução de 1949.

Quanto ao centralismo político, Mao tinha razão, e o país segue sob a mão forte do regime unipartidário. Mas a cartilha ideológica mudou radicalmente. Sete décadas depois, o projeto de construir o “paraíso proletário na Terra” deu lugar ao “sonho chinês”, expressão popularizada pelo líder Xi Jinping em 2013.

Em vários discursos, Xi enfileirou vetores da nova bússola ideológica: “ousar sonhar, trabalhar assiduamente para realizar os sonhos e contribuir para a revitalização da nação”. Os slogans sinalizam, por exemplo, estímulo ao empreendedorismo e o cultivo do nacionalismo, arquitetado para recolocar a China, depois de séculos de decadência, como um dos protagonistas do cenário global.

A ruptura com a ortodoxia marxista-leninista ocorreu em 1978, quando do lançamento das reformas econômicas lideradas por Deng Xiaoping (1904-1997). Ao compreender a falência de fórmulas dogmáticas, o arquiteto das mudanças preconizou a adoção de doses cavalares de economia de mercado num universo politicamente ainda dominado pelo partido no comando do triunfo comunista de 1° de outubro de 1949.

Mao, imagina-se, teria dificuldades em reconhecer a China e seu trepidante modelo econômico sete décadas depois da revolução. É possível também imaginar decepções para Helmut Kohl, condutor da reunificação alemã e da integração europeia, diante do cenário continental e global trinta anos após a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, consequências da falência do bloco soviético.

Chanceler entre 1982 e 1998, Kohl deixou marcas indeléveis no desenho da era pós-Guerra Fria, batizada também de globalização. Liderou, com François Mitterrand, o aprofundamento da União Europeia, simbolizado, por exemplo, pela adoção do euro.

A crise financeira internacional de 2008-9, ao empobrecer setores da classe média americana e europeia, gerou uma onda antiglobalização, pois as turbulências econômicas catapultaram, aos holofotes do debate político, trilhas nacionalistas. Em 2016, britânicos optaram pelo brexit e americanos, por Donald Trump.

“Tornaremos o processo de integração europeu irreversível”, declarou certa feita o líder alemão. Anos depois, testemunhou a votação do brexit e pediu, poucos meses antes de morrer em 2017, paciência no trato com os rebeldes britânicos.

Cerimônias pirotécnicas vão solenizar, em breve, a memória de fatos marcantes do século 20. Mao e Kohl, protagonistas dos episódios, certamente não esperavam, em seus legados históricos, as mudanças e desafios dos momentos atuais.

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