Preocupado com resistências norte-americanas a uma reunião para discutir a situação na Síria, o Kremlin solicitou à diplomacia israelense ajuda para convencer a Casa Branca a aderir à ideia. A iniciativa joga luzes sobre uma das danças diplomáticas mais relevantes para o Oriente Médio nas últimas décadas: o triângulo formado por EUA, Rússia e Israel.
O pedido para o encontro trilateral, divulgado pelo site Axios na semana passada, demonstra o interesse de Moscou em negociar a eliminação do enraizamento militar do Irã em solo sírio. Russos e iranianos intervieram na guerra do país árabe, esmagaram rebeliões e salvaram o ditador Bashar al- Assad.
Depois do triunfo, Putin manobra como mandachuva no cenário sírio. Alimenta aliança com Irã, parceiro econômico e militar e, ao mesmo tempo, cultiva laços com Israel, nos planos político e comercial.
A exemplo do ocorrido no Líbano e no Iraque, o Irã almeja solidificar presença bélica na Síria. E Israel, em aliança com rivais de Teerã como a Arábia Saudita, age para frear as ambições iranianas.
Putin quer evitar a transformação da Síria em palco de guerra entre iranianos e israelenses e dialoga com os dois lados, posicionando-se como um pivô influente, capaz de conversar com diversos personagens médio-orientais.
No entanto, o diálogo do Kremlin com a Casa Branca não apresenta a mesma fluidez. E a Rússia enxerga nos israelenses uma ponte de comunicação.
O triângulo diplomático nem sempre funcionou. A independência de Israel, em 1948, coincidiu com o início de um duelo geopolítico entre os EUA e a URSS, e as superpotências, apesar do fosso ideológico a separá-las, votaram a favor da resolução 181 da ONU, responsável pela partilha da Palestina.
As lógicas, naturalmente, contrastavam. A URSS, embora rejeitasse o sionismo como “nacionalismo burguês”, via o Estado judeu como potencial aliado, ideologicamente mais próximo a Moscou do que a Washington.
À época, o socialismo israelense, simbolizado pelo kibutz (fazenda coletiva), capitaneava o movimento sionista, expressão do nacionalismo judaico, em tendência a durar até 1977.
O esquerdismo de Israel alarmava setores do governo americano, obcecados com a ameaça soviética. Houve no governo Harry Truman vozes contrárias à resolução 181, com temor de Israel socialista na órbita de Moscou.
Truman, de olho em seu lugar na história e no apoio da comunidade judaica americana, ignorou objeções e apoiou, em 1947, a resolução 181. No ano seguinte, Israel declarou Independência e, na sequência, países árabes, contrários à partilha, deslancharam uma invasão militar.
Israel venceu a guerra, com auxílio de armas vendidas pela então Tchecoslováquia. O flerte soviético, no entanto, esfriaria na década de 1950, quando o Kremlin, num cálculo geopolítico, preferiu se aproximar do Egito, após um golpe militar e esquerdista abocanhar o poder no Cairo.
Enquanto o Kremlin priorizava laços com o país mais populoso do mundo árabe, Washington ainda desconfiava do socialismo israelense. Israel, em dificuldades com as superpotências, investiu numa aliança com a França.
O maniqueísmo da Guerra Fria prevaleceu depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967. A União Soviética rompeu relações diplomáticas com Israel, vitorioso no conflito bélico, e fincou raízes com regimes árabes ditos “progressistas”. Americanos e israelenses mergulharam na relação estratégica a perdurar até hoje.
No pós-Guerra Fria, Moscou volta a se aproximar de Israel. Começa então um novo capítulo na trajetória do triângulo diplomático.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.