Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura
Descrição de chapéu Beleza Todas

A verdade incômoda de envelhecer na internet

Um email simpático me mostrou que meu corpo não é mais adequado para nossa sociedade

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Você tem um novo email na caixa de entrada.

"Olá, Joanna! Acreditamos que o seu perfil tem muito fit com a nossa marca e os serviços que oferecemos! Adoraríamos conversar sobre uma parceria."

Até aí, nada de novo, boa parte dos emails de propostas de parceria para produção de conteúdo, os agora populares "publiposts", começam assim, com um convite para uma "conversa".

Eu segui lendo. Apesar de não viver disso, o dinheiro extra é sempre muito bem-vindo. Pulo para o segundo parágrafo em busca de entender o que faz a tal marca que tanto deseja conversar, cujo produto ou serviço tem tanto a ver comigo e, portanto, será tão relevante para o público que me acompanha nas redes sociais e vez ou outra se interessa pelo que tenho a dizer.

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O corpo da mulher que envelhece se torna inadequado para a sociedade - Adobe Stock

"Somos especializados em cirurgia plástica e estética. Trabalhamos com lipoaspiração, lifting, prótese de mama, abdominoplastia e muito mais. Analisamos o seu perfil e temos certeza de que os nossos serviços têm tudo a ver com você."

Precisei de um momento para entender o meu próprio desconforto diante de um email aparentemente tão amigável e, mais ainda, com alto potencial lucrativo. No meio da minha perplexidade, ali perdida num oceano de incômodo, uma pergunta navegava obstinada em busca de respostas: "Por que eu?". Entre as milhões de ditas influencers disponíveis nesse Brasil continental, por que Alexandra – nome que assinava o email – tinha escolhido a mim?

A resposta era óbvia: eu estava ficando velha.

Me permiti digerir a resposta. Não, não sou mais a menina que era quando me aventurei pela primeira vez pelos mares da internet. O colágeno foi embora depois do segundo filho, os peitos repousam mais pra baixo na blusa, a barriga anda mais coberta que outrora.

Mas o que incomodava naquele email simpático era a mensagem implícita de que meu corpo não era mais adequado.

Fechei o computador xingando Alexandra. Quem ela pensa que é pra me dizer que eu preciso de plástica? Pra sugerir que o meu corpo não atende aos seus critérios de beleza? Que meu rosto é alguma espécie de iPhone, um dispositivo com obsolescência programada, que precisa de melhorias de tempos em tempos pra seguir aceitável, eficiente, desejável?

O ódio aumentou quando pensei que ela queria que eu levasse essa mensagem adiante. Sugerindo às mulheres que me seguem que elas também se beneficiariam de uma recauchutada esporádica, me inserindo, assim, num looping infinito de autoinsatisfações.

Nunca respondi o email. Nem aquele primeiro, nem os nove outros que Alexandra me enviou, mas penso nela toda vez que me olho no espelho e me pego contendo o impulso de me dizer que estou acabada.

Lembro quando, ao completar 40 anos, minha mãe se deu de presente um lifting. Eu tinha dez e me apavorei ao vê-la voltar pra casa com a cabeça inteiramente enfaixada e a pele roxa ao redor dos olhos. Um cosplay de Frankenstein que povoou os meus pesadelos por um bom tempo. Hoje, prestes a fazer 70, ela se arrepende da cirurgia. As rugas vieram de qualquer jeito. Foi ela que parou de se importar.

Outro dia, vi uma notícia sobre o bilionário que acredita ter descoberto a maneira de viver eternamente. Ele não toma sol, adere a uma rotina de exercícios rigorosa e não come praticamente nada. Pensei na tristeza que deve ser viver eternamente sem poder comer um brigadeiro.

Ao contrário do que me sugere Alexandra e o tal bilionário, prefiro acreditar que inadequado é esse mundo doido de gente querendo parar o tempo dos outros. Em seis meses sou eu que completo 40 anos e pode ter certeza, que se depender de mim, as comemorações incluirão uma quantidade razoável de brigadeiros e um total de zero cirurgias plásticas.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

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