Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Joanna Moura

Um freio profissional chamado maternidade

Nobel de Economia mostrou que diferença salarial entre homens e mulheres está ligada a se tornar mãe. Eu sei bem

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Fazia dois meses que o meu segundo filho tinha nascido. Minha barriga ainda doía do talho da cesária, meus peitos ainda vazavam nas horas mais inoportunas e os hormônios do puerpério ainda me faziam oscilar entre o choro copioso e o sorriso frouxo. Foi no meio desse turbilhão que o telefone tocou.

"Joanna, eu sinto muito te incomodar durante a sua licença, mas a empresa vai passar por uma reestruturação. Eu não tenho muitas notícias nesse momento, mas o cenário não é bom."

A ligação foi o menor dos incômodos. Depois dela, vieram infindáveis reuniões com o RH num processo que durou dois meses e terminou no dia 01 de janeiro de 2023, quando eu recebi a minha carta de demissão enquanto tentava fazer meu recém-nascido dormir no meu colo.

A maternidade pode ser um freio na vida profissional da mulher - Jacob Lund/Adobe Stock

Ficar sem emprego não era uma coisa que estava no meu horizonte de possibilidades, afinal, eu tinha sido promovida meses antes. Aliás, a notícia da minha promoção saiu um dia antes de comunicar a minha gravidez. Lembro já naquela época de ter pensado: "Que sorte que eu não contei antes! Vai que eles desistem de me dar a promoção." Sim, esse é o tipo de coisa que a gente pensa quando é mulher, trabalha e engravida.

Naquele 01 de janeiro, mais de 100 pessoas também foram mandadas embora junto comigo. Preciso confessar que um pedacinho escondido de mim sentiu conforto com isso. Eu não estava sozinha. Por outro lado, foi o corte em massa que permitiu a minha demissão. Aqui no Reino Unido, assim como no Brasil, não se pode demitir alguém no meio da licença maternidade. A não ser que a empresa seja capaz de provar que o motivo da demissão não foi a gravidez ou licença em si. Nesse caso, o fato de ter sido mandada embora junto com mais um batalhão de gente que não estava de licença aparentemente foi prova suficiente de que o problema não era eu, nem minha momentânea ausência.

Passei os meses seguintes digerindo aquilo tudo. Eu nasci em 84, o primeiro ano do que é considerada a geração Y, popularmente conhecida como millennial. Sou da galera que cresceu ouvindo que tem que amar o trabalho, vestir a camisa, virar a noite com sorriso no rosto. "Ame seu trabalho e nunca terá que trabalhar um dia na sua vida", eles diziam. Pois eu tinha acabado de tomar um fora do meu trabalho e, mesmo sabendo que o nosso relacionamento era meio tóxico, meu coração estava partido.

Tentei esquecer do assunto e focar minha energia em mim e naquele bebê que começava a rolar. "Lá pra julho eu começo a procurar", eu dizia.

Em maio, meu LinkedIn já estava repleto de postagens de ex-colegas, comemorando seus novos e excelentes empregos. E eu ainda naquela rotina de terminar o dia sem ter tido tempo de tirar o pijama, que dirá preparar currículo, pesquisar empresas, contatar recrutadores… As 24h do meu dia eram preenchidas exercendo o trabalho não remunerado mais importante e difícil do mundo, sem a menor ideia de quando seria capaz de retomar a minha carreira.

Nesse tempo de incerteza, foi impossível não me sentir pagando um preço por ter tido meu filho. Esse filho que eu tinha desejado depois de 5 anos trabalhando na mesma empresa, contando com a tranquilidade emocional e financeira de que, quando eu estivesse pronta para voltar, tudo aquilo que eu tinha conquistado estaria lá me esperando.

Hoje vi a notícia de que o Prêmio Nobel de Economia foi para Claudia Goldin, professora em Harvard, por seus estudos sobre mulheres no mercado de trabalho. Segundo suas pesquisas, historicamente, a diferença salarial entre homens e mulheres estava atrelada prioritariamente a diferenças na educação. Hoje, a diferença na renda surge com o nascimento do primeiro filho e as interrupções na carreira que a maternidade tantas vezes acarreta.

Goldin não teve filhos e foi apenas a terceira mulher da história a receber esta categoria do prêmio – o que, por si só, já deveria servir como mais uma prova da veracidade de suas descobertas. Mas, assim como no dia em que fui demitida, senti um misto de revolta e conforto ao me ver contemplada naquelas estatísticas. Novamente, eu não estava sozinha.

Semana que vem, começo um trabalho novo, numa empresa que me contratou depois de um ano fora do mercado de trabalho, sabendo que tenho dois filhos, um deles ainda mamando. Tento não soar muito agradecida, porque não deveria haver nada de extraordinário nisso tudo. Mas, infelizmente, ainda há.

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