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O Nobel de Economia e a revolução silenciosa

Métodos contraceptivos e a evolução dos aparelhos domésticos afetaram decisões entre carreira e família das mulheres

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Lorena Hakak

Professora da FGV RI e atual Presidente do GeFam (Sociedade de Economia da Família e do Gênero)

Quando conversamos com nossas avós/bisavós sobre suas vidas, em geral, foram mulheres que casaram cedo, tiveram pouco estudo formal e cuidavam da casa e dos filhos. Os maridos tinham, na média, maior escolaridade e trabalhavam para sustentar a família.

Os papéis na divisão do trabalho doméstico e no mercado de trabalho eram muito bem definidos, em que a decisão das mulheres trabalharem ou não advinha mais da necessidade de um complemento à renda do que uma decisão de carreira de longo prazo.

Para entender o processo que nos traz aos dias atuais, considerando as transformações na sociedade e as mudanças na participação da mulher no mercado de trabalho, nós pesquisadores, não podemos deixar de citar a professora do departamento de economia de Harvard Claudia Goldin, que hoje foi laureada com o Nobel de Economia.

A contribuição dela para estudos em economia da família e do gênero vem num pacote que engloba diversos estudos, artigos e livros, que perpassam questões sobre carreira e família, analisando a participação da mulher no mercado de trabalho, normas sociais, educação, ocupação e gap salarial de gênero, entre outros.

A economista e professora de Harvard Claudia Goldin - BVA Foundation

É difícil escolher quais de seus trabalhos citar. Começo com um dos que eu considero mais relevante: "The Power of the Pill: Oral Contraceptives and Women's Career and Marriage Decisions" [O poder da pílula: contraceptivos orais e decisões de carreira e casamento das mulheres], de 2002.

Ela e o professor Lawrence Katz, analisam a importância da introdução dos contraceptivos na decisão das mulheres em relação à entrada no ensino superior e na escolha da idade do primeiro casamento nos Estados Unidos.

O controle da fecundidade, possibilitada pelos métodos contraceptivos, desassociando a atividade sexual da reprodutiva, e a evolução dos aparelhos domésticos possibilitaram que as mulheres tivessem mais tempo para estudar e trabalhar. O investimento em capital humano passou a ser mais atrativo.

Essas mudanças foram tão importantes que alteraram as decisões sobre carreira e família das mulheres, aumentando a participação feminina no mercado de trabalho e a idade no primeiro casamento.

Claudia inclui em muitos de seus trabalhos uma análise e entendimento histórico da evolução do papel das mulheres no mercado de trabalho, muitas vezes entre diferentes coortes (gerações).

Essa análise com uma perspectiva histórica pode ser observada no artigo, "The quiet revolution that transformed women's employment, education, and family" [A revolução silenciosa que transformou o emprego, a educação e a família das mulheres], em que ela analisa o papel econômico moderno das mulheres, dividindo a análise em dois períodos: evolução (dividido em três fases) e revolução.

A primeira se inicia no final do século 19. A última, denominada a revolução silenciosa, se inicia no fim dos anos 1970 e ainda está em curso. Na fase evolucionária, a identidade da mulher adulta era formada após o casamento, enquanto na revolucionária a identidade precede o casamento. A revolução começa quando as mulheres passam a ter horizontes profissionais mais claros e podem planejar melhor suas carreiras.

Isso permitiu que elas investissem mais em capital humano e colhessem os frutos de uma carreira mais longeva e bem-sucedida. Inclusive, um horizonte maior tem efeito na decisão de sua ocupação. Além disso, há uma mudança de perspectiva das mulheres com relação à sua própria identidade. Mais mulheres a partir dos anos 1980 mantêm seu sobrenome de solteira após o casamento. Por fim, a decisão da mulher passou a ser menos dependente da carreira do marido.

Em outros trabalhos, Claudia discute que, apesar das mulheres nos EUA terem, em média, mais anos de escolaridade do que os homens, ainda têm uma menor participação no mercado de trabalho e ganham menos.

Para equalizar a diferença do ganho entre gêneros, segundo seu artigo "A Grand Gender Convergence: Its Last Chapter" [Uma Grande Convergência de Gênero: Seu Último Capítulo], de 2014, seria preciso que o incentivo das firmas de premiarem indivíduos que trabalham por muitas horas e em horários específicos fosse menor, ou seja, a diferença salarial entre longas jornadas e trabalhos mais flexíveis fosse menor.

Segundo ela, essa mudança já ocorreu em alguns setores, mas não no mundo corporativo, financeiro e jurídico.

O Nobel desse ano coloca em evidência uma área de estudos que vem crescendo no Brasil e no exterior e que lida com desigualdades históricas entre gêneros. Não podemos nos esquecer da crise dos cuidados durante a epidemia da Covid e seus efeitos desiguais no mercado de trabalho entre homens e mulheres. É preciso entender as causas das desigualdades e como podemos eliminar essas desigualdades. Por fim, esperamos que a premiação ajude a motivar ainda mais pesquisa na área. No Brasil o GeFam busca contribuir para esse fim.

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