Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Roupa boa, bonita e barata. Mito ou realidade?

Um estudo afirma que preço não é determinante para a qualidade da peça

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Não é todo dia que um mito cai. Ainda mais quando se trata desses mitos que nem suspeitamos ser mito. Um mito tão sólido, tão bem fundamentado que, claro, não pode ser mito, só pode ser fato. E é fato notório que roupa cara dura mais do que roupa barata. Alguém duvida?

Os especialistas estão cansados de repetir, as revistas estão cansadas de ressaltar, as consultoras de estilo nunca estarão cansadas demais para pregar: vale a pena pagar mais por roupa boa. Os argumentos são infinitos e soam demasiado lógicos: o tecido é nobre, o acabamento é de qualidade, o design é atemporal.

E se a roupa que dura é cara, então roupa barata só pode ser o oposto disso. Fato. O nome já diz: fast fashion, roupa rápida. Rápida de produzir, rápida de descartar. De um uso só, que depois da primeira lavagem começa a perder o jeito, a forma, o viço.

Clothes on hangers in a retail shop
É possível uma roupa ser boa, bonita e barata? - Alberto Grosescu/Agcreativelab/Adobe Stock

Eu mesma cresci ouvindo que roupa boa era investimento. Repare bem no absurdo da lógica torta: gastar mais, lá em casa, era investir. Minha mãe e eu tínhamos inclusive uma equação muito matematicamente embasada que determinava o valor real de uma peça a partir do valor "investido" nela dividido pela quantidade de vezes que ela fosse usada. Portanto, se um vestido tivesse custado R$ 200 e tivesse sido usado 10 vezes, seu custo real teria sido, de R$ 20 por uso. Por outro lado, se uma outra peça tivesse custado R$ 50 e tivesse sido usada apenas 2 vezes, seu custo real seria de R$ 25 por uso. Por trás desse raciocínio estava, claro, a tentativa de aliviar o peso na consciência aplicando um verniz de racionalidade a uma compra que obviamente não tinha nada de racional.

Qual não foi, então, a minha surpresa quando me deparei semana passada com um estudo da Universidade de Leeds, no Reino Unido, que afirma categoricamente: roupa cara não dura mais do que roupa barata. Caí no clickbait e fui ler a tal pesquisa que acabava de jogar por terra toda a minha lógica de consumo desde que me entendo por gente.

O tal estudo testou a durabilidade de 65 peças de vestuário com preços que variavam de £5 a £150. Entre elas estavam calças jeans, casacos esportivos e camisetas de diversas marcas femininas e masculinas do Reino Unido. As peças passavam por diversos testes de durabilidade e resistência, e os resultados eram então comparados.

A conclusão foi taxativa: preço não pode ser utilizado como maneira eficaz para prever a durabilidade de roupas. Muitas das peças mais baratas tiveram um desempenho melhor do que peças equivalentes com custo de até 10 vezes mais.

E a pergunta que fica é: como é possível? Que matemática torta é essa que permite que uma peça de relativa qualidade possa custar tão pouco? E outra de qualidade aparentemente inferior possa custar tanto? Mágica? Cara de pau? A verdade é que há mais mistérios entre o caro e o barato do que supõe a nossa vã filosofia fashion.

Marcas mais caras se justificarão ressaltando um design autoral, a utilização de uma cadeia de produção mais sustentável, um atendimento mais personalizado. Mas quem acompanha o mercado de moda já está cansado de ver grife envolvida em escândalo de toda sorte: de trabalho escravo ao racismo em loja, de queima de estoque parado à cópia de design alheio.

Na outra ponta, marcas mais acessíveis trazem consigo o discurso da democratização do estilo, oferecendo àqueles que até então estavam invisíveis para o mercado de moda a oportunidade de pertencer.

A verdade é que terminei de ler a pesquisa me sentindo mais confusa e revoltada com a indústria da moda do que antes. Se por um lado tenho certeza absoluta de que aquilo que sai barato pra mim está saindo caro para alguém –porque nada é de graça e a conta precisa fechar– por outro, vejo grifes tentando fazer mais e mais dinheiro vendendo camiseta e boné vagabundo a preço de ouro. Parece, portanto, não haver alternativa correta. A escolha se resume a ser conivente ou trouxa. Potencialmente os dois.

Me convenço então de que errados são eles e sigo com a minha matemática, certa de que o melhor que posso fazer por mim, pelos outros e pelo planeta é comprar o que cabe no meu bolso e o que faz sentido na minha vida, investindo em roupa que eu vou querer usar e cuidar, pra usar de novo e de novo e de novo, independentemente do nome escrito na etiqueta.

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