Joanna Moura

É publicitária, escritora e produtora de conteúdo. Autora de "E Se Eu Parasse de Comprar? O Ano Que Fiquei Fora da Moda". Escreve sobre moda, consumo consciente e maternidade

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Roubaram meu telefone, mas parecia que tinham levado meu braço

Talvez a informação lhe surpreenda, mas há realmente bastante roubo em Londres

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Talvez a informação lhe surpreenda, mas há realmente bastante roubo em Londres. Digo "bastante" sem nenhuma sustentação estatística, apenas com base na comparação entre a expectativa gerada quando se trata de um país rico como a Inglaterra, e a realidade encontrada quando se aterrissa por aqui. Entre os meus amigos próximos, por exemplo, poucos são os que não foram assaltados desde que se mudaram para a cidade. Com base no meu próprio Data Amigos, contabilizo entre os delitos mais comuns os roubos de celular, seguidos de carro e bicicleta.

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Na minha rua mesmo é comum sair pela manhã e encontrar pelo menos um carro estacionado com os vidros estilhaçados e cacos espalhados pelo chão. A cena é tão rotineira que há aqueles que adotam a tática do diálogo como tentativa de prevenção, apelando para a racionalidade dos bandidos, com bilhetes grudados nas janelas avisando: "não há nada de valor aqui, siga em frente".

Feliz ou infelizmente, não possuo nenhum meio de transporte para chamar de meu ou para um assaltante chamar de seu. Mas tenho convicção absoluta de que o roubo de qualquer um desses outros pertences não teria me causado nem um terço do sofrimento que senti quando me dei conta de que tinham levado meu celular.

É verdade que na última vez em que tive o telefone roubado, os assaltantes nem se fizeram perceber. Simplesmente pegaram o aparelho de dentro do meu bolso sem que eu nem me desse conta. Profissionalismo puro. Mas se não houve qualquer ameaça à minha integridade física, e sei que devo ser grata por isso, poucas coisas na vida me violentaram tanto quanto saber que o meu telefone estava nas mãos de um desconhecido.

Há tempos tento em vão ressignificar a minha relação com esse objeto inanimado, reconhecendo que nos últimos anos nossa convivência se tornou um tanto tóxica. Mas é difícil negar o quão dependente nos tornamos desses pequenos aparelhos. Quando coloquei a mão no bolso e senti o vazio, instantaneamente perdi a capacidade de me localizar, de me comunicar. Me levaram de uma vez só a carteira, o relógio, o bloco de notas, a agenda, o álbum de fotos. Levaram o telefone, mas parecia que tinham levado um pedaço do meu corpo, ou a habilidade de usar minhas mãos sem o aparelho que havia se tornado sua extensão natural.

De todas as coisas que o assaltante poderia acessar, a conta do banco me preocupava, claro. Era dia de pagamento e o combo conta cheia e compras por aproximação não é dos mais tranquilizadores. Mas foi a possibilidade de ter o meu álbum de fotos exposto a um desconhecido que mais mexeu comigo. Saber que aquela pessoa estranha tinha acesso aos registros mais privados da minha família, aos momentos mais preciosos dos meus filhos, foi como se tivessem entrado na minha casa e dormido na minha cama.

No Data Amigos —novamente ele, minha grande fonte de informação— realizado pós-assalto uma reação foi comum a todos os entrevistados que já haviam passado pelo mesmo: a sensação de invasão. Segundo uma pesquisa, esta realizada por fontes críveis e confiáveis, cerca de metade das pessoas chora ao perceber que teve seu telefone roubado. Está aí uma estatística da qual faço parte. Chorei copiosamente em ambas as ocasiões em que o mesmo aconteceu comigo. Outra pesquisa aponta o Brasil como o quarto país com o maior número de viciados em celulares. Dessa, sem dúvida, também faço parte (apesar de não morar mais no Brasil).

A verdade é esses pequenos aparelhos ganharam tanto protagonismo nas nossas vidas que é difícil imaginar uma hora, que dirá um dia, sem eles. Ter meu telefone roubado foi como ser internada à força numa clínica de reabilitação. E como viciada ainda em estado de negação do meu próprio vício, tratei de me dar alta rapidamente e saí no dia seguinte para comprar outro.

Saí da loja com um novo telefone em mãos. Mais tecnológico, com mais funções e megapixels, perfeito para ocupar ainda mais terreno na minha vida. Mas depois dessa última internação compulsória a uma vida sem celular, me prometi tentar fazer certas mudanças. E, se ainda não estou preparada para um tratamento de choque para o meu vício, pelo menos tenho tentado colocá-lo no modo avião na hora de dormir.

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