João Wainer

Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Wainer
Descrição de chapéu atletismo

Um super herói em cada esquina

Wilson João de Souza é ultramaratonista e corre provas de 100 km de distância

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nado com alguma frequência no SPAC, um clube centenário no centro de São Paulo conhecido como Clube dos Ingleses e também por ter sido o primeiro time de futebol da cidade, fundado por Charles Miller em 1895.

Os últimos dois anos pandêmicos talvez tenham sido os que menos nadei desde que comecei a praticar esse esporte há quase 20 anos e por conta disso, nunca havia conversado direito com o Wilson João de Souza, 35, salva vidas contratado pelo clube em 2019, sempre discreto e atento ali do lado de fora da piscina.

Retomei recentemente os treinos com mais intensidade e entre uma sessão e outra me surpreendi ao descobrir que aquele cara fininho de aparelho nos dentes que estava sempre ali garantindo a segurança de todos na água tinha um talento sobre humano.

Digo isso porque quando não está trabalhando, Wilson é ultramaratonista e corre provas de 100 km de distância. Saio exausto da piscina após um treino de uma hora e penso que só super humanos conseguem correr 100 km em 7 horas, 38 minutos e 16 segundos sem parar nem para ir ao banheiro como ele.

Imagem aérea mostra maratonistas correndo em uma pista de corrida de fórmula 1
Maratona Ayrton Senna em 2018 - Divulgação

E se o cara consegue esse tempo totalmente por conta própria, sem apoio, sem patrocínio, sem suporte, dividindo o tempo entre os treinos, trabalho, família e a faculdade de educação física que cursa a noite, esse super humano é alçado de imediato à categoria de super herói.

Wilson corre contra atletas que têm toda a estrutura necessária para competir em um esporte de alto rendimento como esse. Sem tempo para treinar, ele aproveita os deslocamentos para correr. Ao invés de carro ou ônibus, costuma acordar às 3 da manhã para percorrer correndo o trecho de 20 km entre sua casa em Santo André e seu trabalho no centro. Depois do expediente ele vai para a faculdade e quando termina a aula ainda treina mais um pouco. Ele conta que o que mais faz falta na sua rotina são as massagens regenerativas depois dos treinos. Isso ajudaria muito a baixar ainda mais seu tempo.


Mesmo com tanto perrengue, no ano passado Wilson correu e venceu a Ultramaratona Brasil em Caieiras, fez o terceiro melhor tempo do Brasil e atingiu índice para representar o país no mundial que acontece em Berlim no fim do ano. O desafio agora é conseguir o dinheiro para viajar. Ele tenta arrecadar 16 mil reais em uma vaquinha virtual para conseguir realizar seu sonho. Já conseguiu metade.

De família humilde, Wilson descobriu seu talento ao fazer um teste para entrar na Policia Militar em 2009. Na prova de aptidão física pediram para que ele corresse na pista e seu tempo foi surpreendente para alguém que nunca havia corrido na vida. Dali em diante ele abandonou a ideia de ser policial e nunca mais parou de correr. Disputou algumas maratonas até perceber que sua resistência era maior do que a velocidade. Dali para a ultramaratona foi um pulo.

Encontrar assim por acaso um cara com um talento tão especial como o de Wilson provoca uma mistura de felicidade e tristeza. Felicidade por escutar sua história, admirar seus feitos e torcer para que conquiste cada vez mais. Tristeza por ver o quanto o Brasil desperdiça talentos, não apenas de atletas, mas em todas as áreas. Wilson tem uma força de vontade absurda e mesmo com tudo contra conseguiu evoluir no esporte que escolheu, mas isso é algo que poucos conseguem. Quantos possíveis medalhistas olímpicos e campeões mundiais nos mais diversos esportes podem estar por aí dirigindo ônibus, trabalhando em escritórios ou até nas ruas pedindo dinheiro.

Pessoas talentosas são o principal ativo de qualquer país. São elas que fazem com que uma nação evolua, no esporte, na ciência, na economia, nas artes ou em qualquer outra área. Um país que não se preocupa em identificar, acolher, proteger e estimular seus talentos é um país medíocre. A sorte do Brasil é que existem Wilsons espalhados por aí para subverter essa lógica.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.