É escritor. Foi selecionado em 2012 pela revista britânica "Granta" como um dos 20 romancistas brasileiros mais promissores com menos de 40 anos.
Trinta anos em três
A notícia de que o MinC seria eliminado pelo presidente interino Temer no mês passado me levou imediatamente a outubro de 2013, quando o Brasil foi país-convidado da Feira de Frankfurt e o vice lá estava, ao lado de Marta Suplicy, então Ministra da Cultura. Na época, a hipótese de que ela apoiasse um golpe contra o seu governo ao lado da oposição e de Temer –e também o desaparecimento do próprio ministério– nos pareceria um delírio.
Não só por isso, mas também porque, para quem levou borrachada da PM em junho de 2013, havia uma união evidente entre o governo do PT, o PMDB, a oposição do PSDB e a grande imprensa: estiveram todos firmes no movimento inicial de criminalizar as manifestações de rua e, incondicionalmente, apoiar o vandalismo da PM.
Na época eu andava bastante desgostoso com isso e resolvi levar o tema aos outros escritores que estavam em Frankfurt. Idealizei um abaixo-assinado apoiando professores em greve e denunciando a violência policial em manifestações.
Redigi o texto numa viagem de trem entre Colônia e Frankfurt com o Luiz Ruffato e o Paulo Lins. Distribuí os papéis na cerimônia de abertura da feira e do stand brasileiro. (Há um vídeo curioso disso aqui.)
Funcionários do cerimonial do Planalto, com medo de algum tipo de confusão, me procuraram oferecendo encontros com o vice-presidente Temer e com a então Ministra da Cultura, Marta Suplicy. Eles queriam a foto –e eu não queria sujar minha mão. Apenas mandei entregar o abaixo-assinado.
Na abertura da feira, um vampiresco Michel Temer presenteou o mundo com um discurso constrangedor que recebeu sonora vaia. Não lembro das platitudes que Marta disse quando inaugurou o stand brasileiro, apenas da cara de profundo desprezo que fez quando deparou-se com o abaixo-assinado que deixei no púlpito de onde ela discursaria.
*
2013. 2016. A presidenta Dilma Rousseff passou seus últimos momentos no Planalto cercada pelos movimentos sociais e longe de políticos. Nas últimas semanas recebeu até o Eduardo Suplicy para tratar da proposta de renda básica do ex-senador, depois de dar-lhe um gelo de três anos. A ameaça e a consumação do golpe fez com que o governo se aproximasse da rua.
Demorou demais. Dar as costas aos movimentos populares em 2013, preferindo criminalizá-los e ecoar o discurso do "vandalismo" ao lado da imprensa que depois a rifaria, foi decisivo para o que acontece agora. Dilma poderia ter aberto um caminho de reformas políticas e diálogo direto com o povo brasileiro –era o momento decisivo para estender essa ponte e buscar apoio nas ruas. Mas não o fez. Para o bem dos sinistros agentes políticos que aproveitaram esse vácuo e capitalizaram as ruas três anos depois.
E hoje o Ministro da Educação e Cultura é um representante do DEM, partido que entrou no STF contra cotas nas universidades públicas. A pasta é de Mendonça Filho, um investigado na Lava Jato que definiu em entrevista universidades como "guetos esquerdopatas e esquerdoides".
Entre 2013 e agora, o frustrado abaixo assinado de Frankfurt mostra o que falhou, e o que amanhã falhará pior: nosso sistema de educação básica, o respeito aos direitos, a ação da polícia brasileira.
Ironia trágica: confirmando-se o retrocesso de um governo Temer até 2018, é de se esperar uma repressão ainda mais severa dos direitos de manifestação por um Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, autoritário e antagonista das liberdades civis. Um sujeito que manda sua polícia bater em crianças e mulheres, como fez tantas vezes em São Paulo. E que terá como mais um instrumento para criminalizar movimentos e organizações sociais uma vaga lei anti-terrorismo sancionada pela própria Dilma. (Volto a um vídeo de 2013.)
O Brasil dormiu e teve um pesadelo. Acordou num pior ainda.
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