João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

E o Oscar não vai para...

Uma lista de quem merece ganhar -e a de quem vai ganhar

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É impressão minha ou a lista dos filmes indicados ao Oscar de melhor filme é bastante pobre este ano? Obras-primas não há. Grandes filmes... talvez um. E depois há os esquecimentos imperdoáveis, como "Benediction", do sempre subestimado Terence Davies (um biopic sobre o poeta Siegfried Sassoon), e "The Northman", de Robert Eggers, um Hamlet brutal para nossos tempos brutais.

Sem falar das injustiças flagrantes: os favoritos ao prêmio raramente coincidem com aqueles que mais o merecem. Exagero meu? Não creio. Fica aí a lista clássica de quem vai ganhar os principais prêmios –e a lista paralela de quem merece ganhar. Vai uma aposta?

MELHOR ATOR

Quem vai ganhar: Brendan Fraser, em "A Baleia". Hollywood sempre gostou de ressurreições e Brendan Fraser é o ressuscitado. Como Charlie, em "A Baleia", Brendan assina um dos papéis mais emocionalmente desonestos de que há memória. A culpa não é dele; é de Darren Aronofsky, que leva Fraser aos limites da vitimização e da santidade. Nesse exercício de pornografia kitsch, não admira que o personagem, apesar da obesidade mórbida, ascenda literalmente aos céus.

Brendan Fraser no filme "The Whale", de Darren Aronofsky, que ganha exibição no Festival de Veneza
Brendan Fraser no filme "The Whale", de Darren Aronofsky - Divulgação

Quem merece ganhar: Bill Nighy, em "Living". É um bom exercício comparar os personagens de Fraser e Nighy. Ambos se encontram doentes em fase terminal. Mas a contenção inteligente de Bill Nighy eleva o roteiro (mediano) de Kazuo Ishiguro a patamares de uma delicadeza comovente. T.S. Eliot já tinha avisado: "a poesia não é um modo de libertar a emoção, mas uma fuga da emoção; não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade". Com o seu Williams, Bill Nighy constrói um poema.

Bill Nighy, de 'Living' - Chris Delmas/AFP

MELHOR ATRIZ

Quem vai ganhar e quem merece ganhar: Cate Blanchett, em "Tár". O melhor do filme de Todd Field é a personagem ambígua a que Cate Blanchett deu corpo e voz: um clichê pretensioso da alta cultura que, apesar de tudo, nutre um amor verdadeiro pela arte. Uma abusadora sexual que, confrontada com a matéria-prima dos seus crimes, encontra uma réstia de consciência. A esse respeito, como esquecer a sequência em que Lydia Tár, já caída em desgraça, é levada a uma casa de massagens de duvidosa reputação? A reação de Lydia ao ver as ninfetas dispostas a servi-la já justificava a estatueta dourada para Cate Blanchett.

Cate Blanchett, atriz de 'Tár' - Patrick T. Fallon/AFP

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Quem vai ganhar: Ke Huy Quan, em "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". A oscilação frenética de Waymond, dividido entre o papel do pacato marido que cuida da sua lavandaria e o intrépido guerreiro do multiverso, tem os condimentos necessários para convencer a Academia.

Quem merece ganhar: Judd Hirsch, em "Os Fabelmans". O tio Boris tem pouco tempo no filme. Mas como resistir a esta força da natureza que introduz o jovem Sammy/Spielberg na lição mais dolorosa sobre a arte? Ela será sempre, e simultaneamente, a fonte de toda dor e glória.

Judd Hirsch, que atua em "Os Fabelmans" - Mario Anzuoni - 6.nov.22/Reuters

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Quem vai ganhar: Jamie Lee Curtis, em "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". Ri com ela no papel de uma justíssima burocrata do Internal Revenue Service, ameaçando os faltosos com truculência. O odor a loucura e a naftalina que ela emana é impagável, embora talvez mais apropriado num sketch humorístico do Saturday Night Live.

Quem merece ganhar: Kerry Condon, em "Os Banshees de Inisherin". Que faz esta mulher culta e sensata no desterro de Inisherin? Testemunha as metástases do desespero e do ressentimento masculinos, tentando, em vão, civilizar os homens. No fundo, não foi esse, desde sempre, o papel histórico das mulheres? Serem a última voz da razão entre o bestiário viril?

A atriz Kerry Condon, de 'Os Banshees de Inisherin' - Valerie Macon/AFP

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Quem vai ganhar: Daniel Kwan e Daniel Scheinert por "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo". Alguém dizia que uma das tragédias da culinária norte-americana era combinar o incombinável, tornando os pratos doces demais, ou seja, enjoativos demais. O roteiro do filme é um desses cozinhados – uma pizza com ananás, digamos, regada com doses generosas de ketchup, onde cabe tudo: artes marciais, meditações sobre o metaverso, crise conjugal e combate à homofobia. Os americanos costumam gostar.

Quem merece ganhar: Martin McDonagh por "Os Banshees de Inisherin". A premissa é notável: o que acontece quando o melhor amigo se cansa de nós e se afasta por insondáveis razões? A resposta à pergunta vem embalada em desespero, insultos, fragilidades, mutilações e palavras de uma beleza ingênua e sofrida. Quando o melhor amigo desaparece, também desaparece uma parte de nós.

Martin McDonagh, diretor de "Os Banshees de Inisherin" - Maja Smiejkowska - 13.out.22/Reuters

MELHOR FILME

Quem vai ganhar: "Nada de Novo no Front". Adaptação do romance de Erich Maria Remarque sobre a experiência alemã na Primeira Guerra que, opinião pessoal, é melhor que o livro. Em 1914, os soldados partiram para o front com a promessa de que a guerra seria rápida –todos os soldados estariam de volta a suas casas antes do Natal. Ledo engano: a guerra durou cinco anos e ofereceu um espetáculo de destruição humana, material e espiritual que o filme de Edward Berger capta plenamente.

Quem merece ganhar: "Os Banshees de Inisherin". É também de guerra que nos fala, embora de forma indireta: a guerra entre dois homens pode ser tão violenta, cruel e insana como a guerra entre nações. Até porque ambas terminam com a evidência melancólica da inutilidade da carnificina: na Europa de 1919 e na ilha de Inisherin, ninguém escapou à urgência da conciliação.

Barry Keoghan em cena de 'The Banshees of Inisherin', de Martin McDonagh
Barry Keoghan em cena de 'Os Banshees de Inisherin' - Divulgação

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