João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu machismo

Pior é impossível

Seria o primeiro a entregar o mundo às mulheres só para ver no que dava

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No Dia Internacional da Mulher, debati entre colegas um assunto delicado. Será que o mundo estaria melhor se as mulheres estivessem aos comandos? Seria um mundo mais pacífico e mais justo?

A rigor, é impossível dizer.

Só em 1893, na Nova Zelândia, foi concedido o direito de voto às mulheres pela primeira vez.

Na Europa, a maioria dos estados só alargou o sufrágio com a Primeira Guerra Mundial.

Se os homens estavam nas trincheiras, as mulheres entravam massivamente no mercado de trabalho e exigiam certas contrapartidas por isso, como a possibilidade de votar.

Foi há um século. E um século é pouco quando os homens tiveram milênios para mostrar ao mundo o que valiam.

Talvez em 3023 tenhamos um termo de comparação mais adequado, embora existam autores que não estão dispostos a esperar tanto tempo.

Tanque de guerra com canhão fálico em perspectiva ao lado de vários símbolos do gênero  masculino, com setas apontadas para cima, paralelas ao canhão do tanque,
Angel Abu

É o caso de Joslyn N. Barnhart and Robert Trager, que publicaram no Journal of Democracy um suculento artigo dedicado ao assunto.

O direito de voto feminino pode parecer uma mera questão de justiça e uma vitória devida para a igualdade de gênero.

Mas talvez seja mais que isso: um contributo objetivamente mensurável para a paz no mundo. Os autores analisaram o período entre 1816 e 2010.

Conclusão? As mulheres não civilizam apenas os homens, o que sempre me pareceu uma evidência. Elas também civilizam as nações, tornando a possibilidade de conflito entre estados mais difícil de acontecer.

Curiosamente, isso só funcionou quando o sufrágio foi alargado às mulheres. Quando se ficou apenas pelos homens —como em 1884, quando a Inglaterra incluiu nas listas de votantes 60% da população masculina—, as guerras em que o país se envolveu nas duas décadas seguintes aumentaram.

Sim, os autores sabem que existem mil motivos para explicar a rivalidade entre nações. Nem todas são produto da testosterona dos machos.

Mas se o mundo ocidental, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, viu uma diminuição dos conflitos em que se envolveu, isso também se explica pela gradual participação das mulheres na vida política dos países.

Não estou espantado. Sociedades onde existem desequilíbrios de gênero acentuados —muitos homens, poucas mulheres— tendem a ser barris de pólvora à espera da explosão.

Essa foi a razão principal por que a China, depois da insana política do filho único adotada em 1979, resolveu acabar com a restrição em 2015. As famílias, até por razões culturais, optavam por um rapaz, na impossibilidade de terem mais do que um filho em seus núcleos.

A prazo, esse viés punha em causa a estabilidade social do país, já que a tendência para a violência e para o crime é mais acentuada entre os homens.

Além disso, estudos empíricos tendem a confirmar que, em termos de valores políticos, homens e mulheres concordam no essencial.

Há quatro anos, o Pew Research Center, em Washington, nos Estados Unidos, mostrou isso. Eles e elas, em porcentagens semelhantes, querem líderes honestos, que saibam trabalhar sob pressão, que estejam dispostos a fazer compromissos e que defendam aquilo em que acreditam.

Mas as diferenças acontecem quando se fala em civilidade e compaixão. Essas duas virtudes são mais declinadas no gênero feminino.

Uma curiosidade: as mulheres (50%) têm mais abertura para correr riscos em política do que os homens (40%). Duas leituras aqui: ou são mais impulsivas ou são menos conservadoras. Decida o leitor.

Certo, certo, é que ao olharmos para os conflitos contemporâneos que sangram o planeta —na Ucrânia, na Síria, no Iêmen, na Etiópia — não encontramos uma só mulher envolvida nas decisões.

Ou quase. O papel de Aung San Suu Kyi, outrora recipiente do Nobel da Paz, no genocídio dos Rohingya em Myanmar, é a exceção que confirma a regra estabelecida.

Não que as damas não sejam capazes de matanças generosas. Como esquecer Maria 1ª da Inglaterra, conhecida simpaticamente como "Bloody Mary" pelos protestantes, ou Catarina, a Grande, que não foi branda com os otomanos?

Em contexto democrático, no entanto, exemplos como esses são muito raros.

Eu, por mim, só lamento que não seja possível testar certas hipóteses com o mesmo rigor e controle das ciências exatas, porque, a título de curiosidade, seria o primeiro a entregar o mundo direto para as mulheres, só para ver no que dava.

Tenho a certeza de que, atendendo ao histórico dos machos, o pior seria impossível de acontecer em cenário assim.

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